No recuar de antigas páginas seculares, as tropas romanas cercavam Monsanto, mater de suspiros fundos e brava na futura Portugalidade há sete hostis anos. Apanágio do sangue luso, os habitantes resistiram heroicamente, mas muitos pereceram ao fio das espadas imperiais. O chefe da aldeia, fragilizado pelo peso da velhice, pediu à filha que fugisse com um rebanho, mas recusou-se com galhardia, jurando resistir contra os invasores até à morte.

Angustiado com a obstinação da filha, foi confortado pela jovem valente, que prometeu escapar à avidez romana com a ajuda de uma bezerra gorda. Assim disse ao pai:
– Grita aos romanos que este povo não se renderá, pois abundam alimentos e provisões. A farta bezerra servirá de prova.
O velho chefe aproveitou-se do ensejo e exibiu a bezerra, sobras do jantar do dia anterior, ao cônsul romano, num ardil de sabedoria desesperada. Os romanos, esmorecendo perante tamanha resistência, regressaram à cidade imperial, onde os seus serviços haviam sido requisitados.
Soltaram-se bramidos de euforia e todo o povo comemorou a vitória com as espadas nas bainhas. A grande festa daquele dia derreteu a rígida exigência do tempo e ainda hoje é comemorada na memória colectiva monsatina.

“da memória só sabemos seu nome
ela não existe fora de si
como o tempo não se move fora dela:
a memória só comprova a si própria
equidistante na ida e no retorno
esse caminho do qual nos separamos juntos
estamos na memória como estamos na casa
e nela habitamos sós
quando tudo silencia a música parece ter sido ilusão
Monsanto foi o fim de sua própria história
desacontecida conforme contada
as ruas semi-apagadas num sonho velho
lá onde ainda podem ser caminhadas.”
Márcio André
Francisco Paixão
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Pode vê-los aqui:
– Episódio 1 – Cavalhadas de Vildemoinhos (Viseu)