Deve-se a Zygmunt Bauman (1925—2017) a introdução do conceito de “sociedade líquida” para representar o tipo societário em que entrámos no início do séc. 21, dominado por um individualismo associal que resulta em volatilidade, incerteza e ambiguidade nas relações interpessoais que, por sua vez, alimenta a insegurança pessoal. Enquanto até há duas gerações atrás a vida das pessoas era rigidamente formatada por relações familiares, profissionais e sociais sólidas, hoje em dia tudo é fluido, seja casamento, relações de trabalho, amizades e tudo o resto.

Esta transição foi potenciada, antes de mais, pela substituição de religiões doutrinalmente sólidas como o Judaísmo e Cristianismo por espiritualidades fluídas do tipo new-age e do catolicismo de cafetaria, à escolha do cliente, e sem a tradicional rigidez e rigorismo dos vinte séculos pré-Francisco.

Resulta também da descredibilização das ideologias duras como o comunismo e o fascismo que dominaram o séc. 20 e a sua substituição pela fluidez programática que caracterizam partidos como o PS, a IL e o BE que, desprovidos de visão e de princípios, o que querem é sentarem-se à mesa do orçamento para alimentarem filiados e clientelas.

A sociedade líquida é realizada na nossa vida através de fenómenos como:

  • a desmaterialização do trabalho, que nos permite que tenhamos que pôr cada vez menos as mãos na massa e cada vez mais os dedos nos teclados;
  • a internacionalização do comércio, que nos permite comprar alimentos, vestuário e outras bugigangas provenientes de todo o mundo;
  • a virtualização e globalização da comunicação entre pessoas através de emails, facebooks, chats & zooms e,
  •  last, but not the least, através do desenraizamento causado pelas grandes migrações, tão do favor de Sua Santidade.

Se a nossa vida está cada vez mais líquida porque não tornar também a nossa pós-morte menos sólida? Foi esta ideia brilhante que o sr. arcebispo Michael Jackels teve dez dias antes do halloween. Numa mensagem escrita em papel timbrado da Arquidiocese de Dubuque ao seu rebanho, o sr. arcebispo começa por listar os inconvenientes de sepultar as carcaças humanas: serão precisos, segundo ele, 337 km2 para enterrar todas as pessoas que se esperam venha a falecer no mundo nos próximos 20 anos; é enorme o desperdício de recursos naturais para se fabricarem todos os caixões necessários; o solo fica irremediavelmente poluído e os lençóis freáticos conspurcados. Pior, continua o sr. arcebispo: não são repugnantes as práticas das exéquias tradicionais que envolvem o embalsamento, o vestir dos cadáveres como se bonecas fossem, e o lhes aplicar maquilhagem? E termina o rol das suas razões perguntando: “não são os enterros tradicionais desrespeitosos para o bem de Deus, uma terra verde?”

Cremação então? Nem pensar! Para cremar os resíduos resultantes da morte de um humano são necessários, segundo o prelado, 114 litros de combustíveis fósseis. Para além disso, a combustão quer destes, quer da carcaça, liberta poluentes para a atmosfera.

A solução pós-conciliar? Hidrólise alcalina, sim senhor! Porque será que Nicodemos e José da Arimateia, Maria Madalena e as outras santas mulheres não pensaram nisso? O sr. arcebispo explica do seguinte modo a sua visão sobre o tipo de exéquias através do qual a Igreja poderia melhor implorar o auxílio espiritual para os defuntos e honrar mais dignamente os seus corpos, ao mesmo tempo que com mais eficácia levaria aos vivos a consolação da esperança e expressaria mais autenticamente a sua fé na ressurreição do corpo: “uma combinação de água quente, lixívia, pressão e circulação podem ser usados para liquefazer o cadáver em algumas horas, que depois pode ser derramado seguramente no solo.”

O sr. Arcebispo não clarifica que tipo de equipamento tem em mente para assegurar a “pressão e circulação” necessária para liquefazer as carcaças dos fiéis (um equipamento do tipo máquina de lavar roupa, só que de maior capacidade?), nem se a água seria água benta aquecida. Também não faz qualquer referência a estimativas do impacto ambiental deste método: aquecer a água necessária para dissolver uma carcaça requer energia equivalente a quantos litros de combustíveis fósseis? E a soda cáustica vertida no solo não contribui para o aquecimento global? Também fica silencioso sobre o rito a adotar, sendo que provavelmente já não será necessário fazer aspersões com água benta… Mas, quem verterá na terra os baldes com o cadáver liquefacto? E tem de ser vertido na terra, ou poderá ser escoado na sanita, para assegurar a sua passagem por uma estação de tratamento de efluentes? E, em qualquer dos casos, será que os srs. padres, familiares e outros enlutados presentes aguentam o pivete?

Nota-se também que esta proposta é apenas para humanos, não para animais de estimação, cujos funerais, é legítimo supor, também terão o seu impacto ecológico, mas que o sr. Jackels prefere ignorar. Será que o sr. arcebispo é filiado no pan? Mas o que chama mais a atenção nesta proposta eclesiástica é a sua falta de confiança na Mãe Natureza: a decomposição natural dos cadáveres parece ser, na sua opinião, menos ecológica que a sua destruição através de processos químicos e mecânicos que a tecnologia moderna torna possível.

O sr. arcebispo Michael Jackels é emblemático de um episcopado cada vez mais líquido e sem consistência que não percebe, ou não quer perceber, para que é que Nosso Senhor Jesus Cristo fundou a Igreja: salvar as pessoas, corpo & alma, da danação eterna, através do batismo e pregação da fé (Mc 16:16). Batismo e pregação da fé, não de construções sociais, económicas, desportivas ou ecológicas. O ser bispo não tira o direito ao sr. Michael Jackels, nem sequer a Sua Santidade, de dizer os disparates que quiser sobre ecologia, desporto, economia ou qualquer outra coisa deste mundo. O que se lhe pede é que o faça como cidadão comum, não como arcebispo, o representante de Cristo e da sua Igreja na diocese que lhe foi confiada.

José Miguel Pinto dos Santos, Professor Universitário.













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