Há uns dias, fiz uma publicação no Facebook que apresentava duas citações de dois ilustres personagens já falecidos: uma do Prof. José Hermano Saraiva, divulgador histórico muito caro ao povo português, e outra de George Orwell, famoso escritor britânico.

Como qualquer um pode verificar, ambas as referências são verdadeiras. O historiador proferiu realmente a afirmação, bem como o escritor inglês proferiu a sua. No que respeita a mensagem no seu todo, ela significa, para quem sabe ler português, algo semelhante a isto: José Hermano Saraiva diz que havia 88 presos políticos até ao 25 de Abril, enquanto logo depois, por alturas do PREC já havia 3000, contudo, este diagnóstico do historiador não é considerado, pois, como diria Orwell, a história é escrita pelos vencedores.

Ora, se ambas as referências que dei eram verdadeiras, ainda mais transparente ficou a veracidade da mensagem no seu todo, ao ser confirmada pela actuação do Polígrafo. Enquanto agente da grande imprensa, aliado à SIC e fact-checker oficial do Facebook, quem melhor que o Polígrafo poderia representar a figura de vencedor no status quo vigente? Assim, ao seleccionar e “poligrafar” especificamente a primeira afirmação, de Saraiva, a jornalista Leonor Gaspar nada mais fez que confirmar a segunda, a de Orwell, bem como o sentido total da minha publicação.

Esta actuação do Polígrafo teve aspectos legítimos, embora repudiáveis pela forma e contexto, e aspectos não somente moral como legalmente ilegítimos, pois constituem ofensas à minha honra e imagem, enquanto cidadão com direitos constitucionais.

Claro está que nada impede o Polígrafo de escolher uma frase do Prof. Saraiva para fazer uma avaliação de factos históricos; ainda que o revisionismo histórico seja um assunto delicado, sobretudo quando realizado por um jornal que demonstra ter uma clara psicologia autoritária e censória, posicionando-se como dono da verdade e justificando o controlo da informação por parte do Facebook.

Assim, mesmo no que tem de legítima, esta intervenção do Polígrafo foi lamentável pelos seguintes motivos:

1- É ridículo terem por base um post com 37 gostos e 2 partilhas, e ainda disfarçarem a irrelevância do mesmo com a frase: “Circula nas redes sociais…” (Circula? A sério? Então porque não mostraram algum outro, já agora, com um número apresentável de impacto?)

2- Revela uma embaraçosa inabilidade de leitura e análise assumir, de forma unívoca, que o historiador terá oferecido o número supracitado referindo-se a todos os presos políticos desde o início da ditadura de Salazar, esquecendo o contexto em que a questão é colocada e o balanço em causa – a saber, entre o período final da ditadura e o PREC. Senão, repare-se no verbo utilizado pelo Prof. Saraiva: “Até 25 de abril de 1974 havia 88 presos [políticos] em Portugal; três meses depois eram três mil.”. Algo bastante verossímil, diga-se de passagem. Pelo que se trata de uma enorme incompetência, da parte de Leonor Gaspar, declarar falsa esta alegação, sem antes investigar decentemente e tentar comprovar que o autor quis realmente dizer “houve” (ao longo da ditadura), e não o que literalmente disse: “havia” (aludindo àquele período final do regime até à data de 25 de abril, para depois estabelecer uma comparação com os tempos do PREC).

3- Tendo em conta o entorno concreto a que as palavras do Prof. Saraiva se referem, é de uma grave desonestidade intelectual a jornalista aplicar a sua lupa pidesca exclusivamente aos 88 presos anteriores ao PREC, ignorando totalmente os 3000 presos na altura do mesmo. Fiquei curioso por saber que dualidade de critérios iriam aplicar para descalçar essa bota. Até porque 3000 presos em três meses resultam num número proporcionalmente muito mais escandaloso que os possíveis 30.000 da ditadura (segundo os dados de Irene Pimentel que, bem ou mal, tem um cão nesta luta).   

4- Com certeza, os jornalistas do Polígrafo rejeitarão a tese do marxismo cultural – também me parece algo redutora e pouco rigorosa, como tantas outras na cultura de internet (o mesmo poderia dizer-se, à esquerda, do fantasma do neoliberalismo). No entanto, fica registado como eles mesmos comprovam algumas alegações correctas dessa tese popular; concretamente, a pragmática da ocupação de espaços e luta pela hegemonia cultural. Pois, ao serem confrontados com um historiador do antigo regime, nem sequer lhes ocorreu consultar ambos os lados (direita e esquerda) do novo regime. Antes foram a correr ter com os seus amigos bloquistas e esquerdistas, Fernando Rosas e Irene Pimentel.     

Falemos agora de coisas mais graves, e essas sim ilegítimas e inadmissíveis:

1- Fica muito mal a um fact-checker oficial do Facebook andar a sinalizar como falsas as declarações de historiadores que, mesmo ligados ao antigo regime, eram académicos reconhecidos na altura. Pior ainda, quando esse reconhecimento permaneceu durante décadas após o 25 de Abril; na verdade, até aos dias de hoje. E se tal se tornar um paradigma, será inadmissível e repugnante. A continuar assim, não faltará muito para termos o Polígrafo a sinalizar como desinformação conteúdos e factos trazidos por historiadores de direita (por exemplo, Rui Ramos) com base em historiadores de esquerda. Não digo que o jornal não possa de todo fazer estas análises, mas o preço disso teria de ser, forçosamente, acabar com o tipo de ligação que tem ao Facebook. Pois, se não o fizer, estará a recomendar oficialmente a censura de historiadores nessa rede social, algo que ultrapassa todos os limites, morais e legais.

2- Apesar do fact-checking de Leonor Gaspar não contestar a veracidade das minhas referências, e nem sequer ter como objecto directo a minha publicação, mas tão-somente as palavras do Prof. Saraiva, na prática, o artigo resultou nos seguintes danos à minha pessoa:

2.1- Danos à minha honra e imagem, associada a alegações ‘falsas’, pois até tiveram o desplante de não rasurar a minha fotografia de perfil – tendo assim ficado por várias horas.

2.2- Danos à minha liberdade de expressão, na medida em que, na sequência da vossa sinalização, o Facebook actuou em conformidade e colocou o filtro de ‘informações falsas’ na minha publicação. Algo que, não só danifica a minha imagem como leva esta rede social a estar de sobreaviso e reduzir a distribuição das minhas futuras publicações na rede social em até 80%, facilitando o sancionamento do meu discurso.

Poderia ainda fundamentar os atropelos deontológicos à profissão de jornalista que tudo isto comporta, mas deixarei isso para uma escusável ocasião, que espero não voltar a ultrapassar a gravidade e a desvergonha desta.

Agradeço ao Notícias Viriato a possibilidade que me deu de defender a minha honra, para que não tivesse de o fazer noutra instância.

Maciel Rodrigues, Arquitecto.