Os ambientes hospitalares e de internamento são sempre bastante propícios a infecções virais e o covid-19 é extremamente contagioso. A probabilidade de ser infectado nestas circunstâncias é muito alta, não só para doentes como também para médicos, enfermeiros, auxiliares e administrativos.  Mas será que todos os falecidos infectados com covid-19 morreram desta doença? 


A taxa de mortalidade por covid-19 em Itália pode ser a mais alta devido ao método de registo dos óbitos: todos os que morrem com coronavírus em hospitais são incluídos na lista de mortes por covid-19. Segundo o Professor Walter Ricciardi, conselheiro científico do Ministro da Saúde Italiano:

“Numa  reavaliação feita pelo Instituto Nacional de Saúde, apenas 12% dos registos de óbito mostraram uma causalidade directa por coronavírus, enquanto 88% dos pacientes que morreram tinha pelo menos uma comorbidade – muitos outros tinham duas ou três”

Incluir o número de todos os que morrem com coronavírus irá inflacionar a taxa de letalidade da doença enquanto que registar apenas os que morrem de coronavírus irá diminuí-la.

De acordo com um relatório do referido instituto, em 355 óbitos analisados foram encontrados três pacientes (0,8%) sem condições de saúde anteriores. 49% tinham três ou mais doenças. 26% sofriam de outras doenças, 25% tinham apenas uma. Os problemas mais comuns nos 355 falecidos eram:

– Hipertensão Arterial – 76%

– Diabetes – 36%

– Doença Isquémica Cardíaca – 33%

Na Itália, há ainda outras razões que podem explicar esta maior taxa de letalidade em todos os países afectados pela pandemia:

– A estrutura etária da população (a segunda mais envelhecida do mundo); 

– Elevadas taxas de mortes por resistência a antibióticos (primeiro país da UE com mais casos, cerca de 1/3 do total de toda a União);

– O consumo de tabaco também pode estar relacionado com fraca sobrevivência ao vírus. Em Itália, 24% da população fuma. Por comparação, no Reino Unido há 15% de fumadores.

Como se calculam as taxas de letalidade do covid-19?

O actual surto de coronavírus parece seguir o padrão de pandemias anteriores:  as taxas iniciais de letalidade são elevadas e tendem a descer com o tempo. Por exemplo, em Wuhan, a taxa desceu desde 17% na fase inicial para perto de 1% na fase final. 

[É cada vez mais óbvio que os actuais métodos de testagem não estão a alcançar o maior número possível e desejável de pessoas. O maior problema são os assintomáticos, os maiores propagadores deste contágio mundial.]

As taxas de letalidade estão mais sujeitas a Viés de Selecção quantos mais doentes graves são testados – geralmente aqueles internados em ambiente hospitalar ou os que têm mais doenças. Sendo o covid-19 uma doença assintomática para a maioria dos infectados, calcular a letalidade do vírus com base nos doentes graves é optar por uma amostra reduzida e pouco representativa.

O número actual dos infectados assintomáticos é incerto: algumas estimativas colocam pelo menos metade de todos os infectados como assintomática. Além disso, também se desconhece a quantidade de sintomáticos que não se apresentam ou não têm maneira de ser testados. Assim, há que distinguir entre:

a) Taxa de Letalidade nos Infectados Testados e Conhecidos;

b) Taxa de Letalidade em Todos os Infectados ( Conhecidos, Desconhecidos, Testados, Não- Testados, Sintomáticos e Assintomáticos).

Feita a distinção, a taxa de letalidade real tende a ser muito mais baixa do que a taxa de letalidade nos casos conhecidos. 

No momento, é fundamental perceber se todos estes doentes estão a morrer com ou da doença covid-19. O entendimento deste assunto é crucial. Se, por exemplo, 80% das pessoas com mais de 80 anos morreram COM a doença, então a taxa de letalidade nesta população ficaria perto dos 3% em vez dos 15% oficiais.

[No final da pandemia de Gripe Suína, a taxa de letalidade de todos os infectados ficou registada nos 0,02%, cinco vezes menos do que a estimativa mais baixa feita no início do surto.]

Novos indícios sugerem que os infectados são muito mais do que os testados. 

Na Itália, calcula-se que 3% da população já poderia estar infectada, e assintomática, quando foi detectado oficialmente o primeiro caso sintomático.

Determinar o quão letal está a ser esta pandemia passa também por saber quantas mortes a mais estão a ocorrer, em comparação com os números de óbitos no ano anterior. Além disso, é precisa informação precisa sobre as causas de morte dos pacientes em hospitais (o que não está a acontecer). Devido a registos inadequados e incompletos  nas certidões de óbito, sobretudo em casos de pneumonia, os testes serológicos serão assim determinantes para um conhecimento preciso de quantas pessoas foram infectadas até agora. Em vez de testar o doente como positivo ou negativo, o teste serológico é feito para detectar a presença de anticorpos gerados pelo sistema imunitário contra determinada infecção. Este método permitiria conhecer a população infectada que se manteve e curou assintomática. A partir daí, a taxa de letalidade dos infectados com coronavírus poderia ser calculada com maior rigor e informação.

Segundo a prestigiada revista científica Lancet, as estimativas actuais baseadas no número de mortes relativas aos casos confirmados de infectados a dado momento não traduzem um número representativo da realidade. Os pacientes que morrem em determinado dia foram infectados muito antes e, portanto, teria de se ter em conta o número total de infectados. Obviamente, esse número é desconhecido devido aos assintomáticos e pacientes com sintomas tão ligeiros que nunca serão identificados nem testados. Como tal, as estimativas oficiais divulgadas referem-se à letalidade do vírus nos casos clinicamente detectados de infecção por covid-19.

Fontes: 

https://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(20)30195-X/fulltext

https://www.cebm.net/covid-19/global-covid-19-case-fatality-rates/

https://www.telegraph.co.uk/global-health/science-and-disease/have-many-coronavirus-patients-died-italy/

Actualização 31/03/2020 00:57: Correcção da palavra “patologias” por uso incorrecto.