Conceição Gaspar olha da sua casa para uma paisagem verdejante mas a reformada não pode desfrutar da vista, porque sabe que as árvores escondem um aterro ao ar livre onde são despejadas enormes quantidades de lixo de toda a Europa.
“É impossível viver aqui“, disse a idosa de 69 anos que estava visivelmente perturbada, viveu toda a sua vida na pequena aldeia de Sobrado, no norte de Portugal, mas está cada vez mais a lutar contra o mau cheiro que se propaga a partir do aterro sanitário.”
“Quando cheira mal, sou obrigada a fechar as portas porque se não o fizer, é impossível dormir à noite”.
O aterro recebe lixo de todo o país, mas é também um dos 11 locais privados do país autorizados a manusear lixo estrangeiro, disse a agência ambiental APA.
E as quantidades estão a aumentar à medida que os países europeus procuram outras formas de eliminar o lixo depois da China ter introduzido, há dois anos, limites estritos à quantidade de lixo estrangeiro que vai importar.

Conceição Gaspar à frente da sua casa – Foto: REUTERS/Rafael Marchante – 8 de Janeiro de 2020
Cerca de 330 mil toneladas de lixo da “lista laranja“, que inclui resíduos que contêm substâncias perigosas e necessitam de aprovação prévia, chegaram a Portugal vindos do estrangeiro em 2018, um aumento de 53% em relação ao ano anterior.
Cerca de um terço deste lixo foi parar a aterros, e os residentes de Sobrado dizem que a situação está a piorar.
“O país tem que pensar se quer esse tipo de negócio, se quer ser visto como o caixote do lixo da Europa”, disse José Ribeiro, presidente da câmara de Valongo.
Numa carta enviada ao Ministério do Ambiente no mês passado, Ribeiro disse acreditar que Portugal se tornou um destino atraente para o lixo devido à sua baixa taxa de gestão de resíduos para aterros, que foi fixada em 9,90 euros por tonelada em 2019, em comparação com uma média europeia de 80 euros.
No aterro de Sobrado – que está autorizado a receber mais de 400 tipos de resíduos, incluindo produtos de construção com amianto, de acordo com o site da Recivalongo, a empresa que o opera – camiões com contentores de transporte podem ser vistos a despejar lixo num buraco enorme.
Tal como os outros residentes, Gaspar afirma ter medo que o aterro esteja a prejudicar-lhe a saúde.
O município disse no ano passado que o aterro pode levar à proliferação de insectos, gaivotas e roedores e a uma possível propagação de doenças infecciosas, embora a autoridade de saúde regional tenha dito que não vê nenhuma ameaça à saúde pública.
Recivalongo não respondeu a inúmeros pedidos de comentários por e-mail e por telefone, mas no seu site a empresa portuguesa diz: “O aterro sanitário foi concebido para que os impactos ambientais sejam drasticamente reduzidos, cumprindo integralmente com todas as normas mais rigorosas”.

Foto: REUTERS/Rafael Marchante – 8 de Janeiro de 2020
QUEREMOS O NOSSO AR LIMPO!
Os residentes não estão convencidos. No ano passado, lançaram um grupo ambientalista chamado de ‘Jornada Principal’, que organiza protestos e petições, e planeia entrar com uma acção judicial contra o Ministério do Ambiente.
“Sentimo-nos feridos quando a nossa qualidade de vida nos foi tirada, o direito de respirar ar puro”, disse Marisol Marques, pertencente do grupo. “Queremos que o aterro sanitário seja encerrado.”
Tudo isto vem como uma directiva de Bruxelas que exige que todos os estados membros da União Europeia reduzam a deposição em aterro até 2035 para um máximo de 10% do total de resíduos produzidos por um município.
Face a esta pressão, o governo português ordenou à APA, este mês, que tornasse mais difícil o envio de resíduos para Portugal.
Mas aqueles que vivem ao lado de aterros sanitários, incluindo o morador de Sobrado, Joaquim Nelson de 68 anos de idade, querem mais medidas.
Ao lado de sua casa, onde diz que o fedor do aterro muitas vezes o obriga a manter as janelas fechadas, disse que quer que o governo “tome medidas concretas e sérias, para nos devolver o ar que costumávamos respirar”.
Um ponto em particular das queixas em Sobrado é a quantidade de lixo proveniente da região da Campania, no sul da Itália, onde grupos do crime organizado despejaram e queimaram ilegalmente resíduos tóxicos durante décadas.
Forçada por um tribunal da UE a resolver o seu problema de resíduos, Campania começou a exportar parte do seu lixo em 2015, inclusive para Portugal. De acordo com uma carta enviada pela APA ao município, cerca de 15.000 toneladas de resíduos de Campania vieram para Sobrado no ano passado.
“O receio é que dentro de alguns anos não tenhamos uma solução para o nosso próprio problema de resíduos porque enchemos os nossos aterros sanitários com lixo do estrangeiro”, disse Carmen Lima da Quercus, um grupo ambientalista.
Artigo: 15 de Janeiro de 2020
Tradução: 17 de Janeiro de 2020
Fonte:
https://uk.reuters.com/article/us-portugal-environment-waste-idUKKBN1ZE1G1