A língua portuguesa é, como sabemos, dom poético de Camões e musicalidade falada de Amália. Também é doce, pois claro, mas qual o cavaleiro da virtude? Tem uma armadura folhada e uma espada cremosa. Se os balcões dos cafés e as pressas ao amanhecer tivessem o dom da palavra, falariam do Pastel de Nata com euforia messiânica. Sim, o escolhido dos portugueses!

Feita a introdução de plasticina lírica, passemos para a história propriamente dita. Feitos com massa folhada e recheio de natas frescas, gemas de ovo, leite, farinha de trigo e açúcar, os pastéis são referidos em livros de doçaria alentejana, arouquesa e lisboeta, comummente associados à tradição conventual feminina de Lisboa. Encontramos no manuscrito de 1628 as primeiras referências ao doce, devidamente reescrito no livro “Alimentar o Corpo Saciar a Alma” de Anabela Ramos e Sara Claro, 2013, para além do manuscrito da Congregação de São Bento, do ano de 1710. E quanto à receita? A primeira conhecida é datada de 1729 no Convento de Santa Clara de Évora, pelas mãos da Abadessa Sóror Maria Leocádia do Monte do Carmo, que atribui à receita o nome de “Pastelinhos de Natta”.

Os anos 20 do século XIX, marcados pela Revolução Liberal portuguesa, foram fatais para conventos e mosteiros portugueses, encerrados em 1834, com duras perseguições a clérigos e trabalhadores da época. Um grupo de monges, num gesto desesperante de sobrevivência, decidiram vender pastéis numa refinaria de cana de açúcar, acercada do Mosteiro de Jerónimos, Belém. Naquela época, a receita dos Pastéis de Nata já não vivia enclausurada nas paredes conventuais, os seus segredos e sabores expandiram-se por Portugal, pelo que não surpreende que a sua preparação variasse conforme as regiões. A nata conquistava paladares lusos e forasteiros. Era o destino. Foi a partir de 1837 que se encetou o fabrico dos “Pastéis de Belém”, na loja que ainda hoje conhecemos, na Rua de Belém, produzidos artesanalmente segundo a receita secreta do Mosteiro, na ilustre “Oficina do Segredo.”

Esta foi a estreia do Raízes de Cortiça na temática da gastronomia portuguesa. Penso, com jovial convicção, que o leitor prefere empregar os lábios sobre a nata do que os olhos sobre o texto. Não o censuro. Este artigo foi uma doce necessidade, espero que sejam servidos.

Francisco Paixão