Classificar as coisas é uma tendência muito humana. Fazem-no os comerciantes[1] ao colocar produtos semelhantes na mesma prateleira ou no mesmo corredor do supermercado. Fazem-no os warxistas[2] ao dividir as pessoas em proletários e burgueses. Fazem-no os serviços municipais ao por tampas de cor diferente nos contentores para o lixo. E fazem-no até as crianças em muitos dos seus jogos. Classificar é um processo que está na base de todo o pensamento humano.

Aristóteles (384—322 a.C.) propôs um sistema de classificação compreensivo e hierárquico de tudo o que existe na natureza, que ainda serve de base ao nosso senso comum. Neste sistema existem quatro categorias principais, sendo que os seres em cada uma das classes mais elevadas possuem todas as caraterísticas dos que estão na classe inferior, mas distinguem-se deles por possuir alguma característica adicional.

Assim, na classe mais baixa estão todos os objetos inanimados, incluindo as rochas, os cadáveres e o PSD, seres que têm massa e ocupam espaço. A esta classe contrapõe-se a dos seres vivos que, além possuírem também estas duas características, se distinguem dos seres inanimados por se nutrirem, crescerem, reproduzirem e, eventualmente, morrerem. Entre os seres vivos, à classe das plantas, que possuem todas as caraterísticas referidas até agora, contrapõe-se a dos animais que, para além destas, também têm outras que as plantas não possuem, nomeadamente a capacidade de locomoção. Finalmente, os animais podem-se dividir entre os irracionais e o Homem: os seres humanos, para além de realizarem todas as operações vitais realizadas pelos outros animais, têm a capacidade adicional de procurar conhecimento, de fazer perguntas e dar respostas, de pensar filosoficamente e de acumular dinheiro.[3]

Mas será que não se pode levar este exercício mais longe e dividir a espécie humana em subclasses mais pequenas com base nalguma característica que um grupo limitado de pessoas possua e que falte às outras? Tentativas deste género não têm faltado ao longo da história, feitas com base na pigmentação da pele por racistas, na capacidade da caixa craniana por republicanos portugueses, e no rendimento do trabalho pela Autoridade Tributária. Aristóteles teria respondido que não, fazendo uma distinção importante: nem todas as características de uma coisa definem a sua natureza ou essência. Não é por serem pretos que o rutilo ou o granito são menos rocha que o calcário.

É verdade que os seres humanos podem ser distinguidos por inúmeras caraterísticas acidentais—os altos e os baixos, os magros e os gordos, os muito e os pouco pigmentados, etc.—mas estas caraterísticas acidentais não servem, e são incapazes, de excluir da raça humana os indivíduos que as possuem. Mais: nenhuma das caraterísticas acidentais aumenta ou diminui em nada a humanidade daqueles que as têm. A humanidade da pessoa não varia com a idade, o peso, a altura, o bronzeado, a cor ou o comprimento do cabelo, a profissão, o número de olhos (desde que seja menor ou igual a dois), a doença, o rendimento ou a sua filiação partidária ou religiosa.

O erro dos racistas está na sua incapacidade de distinguirem o que é acidental do que é essencial, neste caso concreto, de perceber que a cor da pele é uma caraterística acidental nos humanos enquanto uma alma racional é algo que lhes é essencial. E o erro dos pê-esses, e de todos os outros que defendem a liberalização do aborto, é o mesmo: afirmar que a “viabilidade” é uma caraterística essencial do ser humano, não algo de acidental como a cor dos olhos. Curiosamente, os pê-esses ainda não estenderam este argumento aos doentes nas Unidades de Cuidados Intensivos que, apesar de estarem ligados por múltiplos cordões umbilicais, têm uma taxa de sobrevivência a nove meses muito mais baixa que a dos seres humanos intrauterinos, os tais que eles classificam como aqueles que “não são viáveis”… 

E qual é o erro dos PANnes[4]? Ao defenderem que os animais têm direitos semelhantes aos dos humanos, não conseguem perceber que existe uma diferença essencial entre as pessoas e os animais, nomeadamente a racionalidade de uns e sua falta nos outros. Tal como os pê-esses e os racistas, os PANnes são incapazes de distinguir o que são caraterísticas acidentais do que são características essenciais. Será esta incapacidade uma caraterística essencial ou acidental?

José Miguel Pinto dos Santos, Professor Universitário.


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[1] Comerciante: membro de tribo recolectora, em que o fruto colhido é o dinheiro; pessoa envolvida numa carreira comercial, sendo esta carreira trilhada atrás de dinheiro, em que a estação de partida é a ganância, e a gare de chegada o inferno.

[2] Warxista: aquele que faz guerra ao que é bom, belo e verdadeiro na Humanidade; pessoa que vê a realidade natural e social ao contrário, de pernas para o ar, tal como um M a fazer o pino; aquele que confunde as caraterísticas essenciais com as acidentais, e vice-versa. Os warxistas clássicos são militantes do PCP; os neo-warxistas estão filiados no PS, BE, PAN e Iniciativa Liberal.

[3] Dinheiro: aquilo que nos permite comprar cerveja; ser inanimado que anima as mulheres[5]; uma bênção que nos alcança o inferno; instrumento de troca e unidade de conta; graça temporal que só nos traz vantagem material quando nos desfazemos dele; certidão de cultura para quem o possui; excremento do demónio; passaporte para a sociedade refinada e conselho nacional do PS/D; propriedade portável; imobilizado em estado liquido; móbil para militância no BE; aquilo em que Nosso Senhor Jesus Cristo nunca tocou, ao contrario de cadáveres, leprosos e hemorraísas; Aristóteles, o pai da biologia, pensava que o dinheiro, como ser inanimado, não se deve reproduzir, e por isso condenava o juro como imoral; embora gerações posteriores de banqueiros, comerciantes & economistas tenham demonstrado que, de facto, o dinheiro se consegue reproduzir como coelhos, os biólogos modernos, presos a tradições peripatéticas, ainda não classificaram o dinheiro em nenhuma das famílias de seres vivos, seja como procariontes, seja como eucariotos; dinheiro e moeda são para todos os efeitos sinónimos, embora o Prof. Dr. Flugêncio Lopes Rabecão, no seu erudito manual Moeda e Bancos (Univ. Coimbra) exponha as 99 diferenças conceptuais entre os dois termos e as demonstre com 101 dissemelhanças técnicas. O livro custa €200. Mas vale nada. Qual é o VAL? [Resp.: VAL = -€200, para todas as taxas de desconto verosímeis.]

[4] PANne (do fr. panne): pessoa avariada—em que a avaria se encontra, tipicamente, no mecanismo de direção central; militante de partido político que não consegue distinguir as características acidentais das essenciais nos membros do reino animal; tecido felpudo como o pelo de um canino; gordura que se encontra debaixo da pele de um suíno ou de um político, dois seres que partilham todas as suas características essenciais mas que são diferenciáveis, por alguns especialistas, através uma caraterística acidental pouco conhecida.

[5] Mulher: bicho misterioso que vive nas imediações dos homens, mas que ao contrário de outras espécies, não é domesticável; a questão de se as diferenças entre mulheres e homens são acidentais ou essenciais ainda não se encontra resolvida, mesmo após várias gerações de filósofos e biólogos peripatetas se terem debruçado sobre assunto; termo usado na saudação angélica, e por este lexicógrafo nas suas definições, para designar o conjunto de toda a humanidade.