Cada interpretação do Polígrafo corresponde à identificação com a verdade absoluta e à denúncia como Fake News de toda a interpretação discordante, ainda que mais adequada. Isto não vem de agora: desde início o Polígrafo transita do fact-checking para o opinion-checking.
A propósito da recente polémica sobre a suposta aplicação das Teorias do Género nas escolas, popularizadas como “Ideologia de Género”, em que 1/3 dos deputados do parlamento se reuniu para pedir a verificação de constitucionalidade de um artigo da “Lei da Identidade de Género”, o “Polígrafo”, auto-intitulado “primeiro jornal português de fact-checking”, resolveu pedir igualmente a verificação factual das notícias que circulavam pelas ‘más teclas’ das redes sociais, desta vez sobre o despacho publicado pelo Conselho de Ministros no passado dia 16.
Passo adiante o facto do Governo ter publicado este despacho recusando aguardar a resposta do Tribunal Constitucional (interferindo o seu braço executivo na apreciação judicial em curso), para dizer que, ao que parece, não é só o Polígrafo que precisa de um ‘Polígrafo do Polígrafo’: o referido Despacho também parece precisar de outro Despacho.
Irei evidentemente explicar-me na esperança de não ter de escrever outro artigo explicativo, pois seria lamentável se acabasse por cair no mesmo abismo de contradição performativa em que cai o Polígrafo só pelo simples facto de existir.
O problema começou com o Ponto 3 do Artigo 5 do Despacho nº 7247/2019, que «estabelece as medidas administrativas para a implementação do previsto no nº1 do artigo 12º da Lei nº 38/2018», que diz: «As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade.»
Imediatamente houve reacções dos pais que têm acompanhado esta polémica nas redes sociais, bem como da parte de movimentos cívicos como “Deixem As Crianças Em Paz” e “Plataforma Pensar & Debater” (motores populares que pressionaram os deputados a pedirem a revisão constitucional), onde se criticava precisamente a adopção destas medidas alegadamente apoiadas na Gender Theory de Sandra Bem (1981) que defende o “género” como algo independente do sexo, e que, por essa mesma razão, esta medida estaria a obrigar as escolas «a deixarem a criança, de qualquer idade, escolher a casa de banho e o balneário de acordo com o seu “género”», ou seja, «um rapaz, de qualquer idade, que se identifique como rapariga, pode utilizar os balneários femininos mesmo tendo os órgãos sexuais masculinos».
A reacção popular que incendiou as redes sociais, alavancada pelas referidas plataformas e, 3 dias depois, embasada pela página “Notícias Viriato”, fez, segundo a análise poligráfica do mesmo dia, «uma interpretação errada que deturpa e extrapola a formulação original da medida no referido diploma do Governo».
Explica prontamente o Polígrafo que, afinal, «O que é assegurado através do referido diploma é que um rapaz que se identifique como rapariga não seja obrigado/a a utilizar os balneários masculinos, ou que uma rapariga que se identifique como rapaz não seja obrigada/o a utilizar os balneários femininos.», acrescentando: «No limite, a solução para estas situações poderá passar pela disponibilização de espaços neutros ou vazios – isto é, utilizarem a casa de banho e balneário (masculinos ou femininos) quando não estão a ser utilizados por outras crianças, cuja presença possa colocar em causa a sua “intimidade e singularidade”. É o que se depreende a partir do disposto no diploma do Governo.»
Problema: a frase do despacho existe, a interpretação do “Notícias Viriato” e mencionadas plataformas é simples, imediata e quase literal. Já a explicação do Polígrafo, além de confirmar a base textual, é a única que improvisa depreensões menos óbvias (‘vontade expressa’ não equivale meramente a ‘não ser obrigado’) e acrescenta possibilidades inexistentes no despacho (ex. espaços neutros). Quem será, afinal, que deturpa e extrapola, fazendo uma leitura errada?
Se a especulação sofística do Polígrafo seria admissível dada a falta de concreção do despacho, o esforço por impugnar o óbvio, e a recusa em considerá-lo sequer uma leitura viável, revela um analfabetismo funcional quase delirante. Já a interpretação do Notícias Viriato é a mais directa, descortinando o significado mais imediato da expressão “tendo em consideração a vontade expressa da criança”.
Com efeito, este é um exemplo em que o Polígrafo tira vantagem do seu patamar de autoridade de “julgar sem poder ser julgado”, para censurar qualquer tipo de liberdade de imprensa que lhe possa fazer frente, servindo-se ainda do facto de que seria preciso um artigo destes para cada poligrafice.
Cada interpretação do Polígrafo corresponde à identificação com a verdade absoluta e à denúncia como Fake News de toda a interpretação discordante, ainda que mais adequada. Isto não vem de agora: desde início o Polígrafo transita do fact-checking para o opinion-checking, ao serviço de uma qualquer agenda acrítica. De forma ditatorial, o Polígrafo enxerga as suas próprias opiniões como tendo um estatuto superior, elevadas à categoria de leis divinas, para em seguida censurar. Pois, o que é o opinion-checking senão o novo paliativo da censura?
Maciel Rodrigues, Arquitecto.
O autor escreve em português correcto, rejeitando a grafia do AO90.

A mim bastou-me ver o polígrafo 2 ou 3 vezes na TV, para perceber em que “team” eles jogam !
Nunca mais perdi o tempo com o polígrafo; mesmo que melhore e se torne deveras imparcial, o mal ficou feito !
É como o comunismo; os seus fundadores a URSS, desapareceram e os povos das ex-republicas hoje são mais livres e certamente não passam fome… mas no resto do mundo as suas idéias nefastas mas aliciantes grassam com fogo na pradaria entre os jovens e os politicos de carreira regozijam-se, tem a “carreira assegurada”!
Numa época em que devíamos estar preocupados com melhoramentos económicos, sociais e ambientais, continuamos a partir pedra a debater teorias politicas defuntas e que levaram já grande parte da Humanidade a um retrocesso de várias décadas!
Admirável mundo velho e falido !