Aí pelo ano de 2005 perguntaram-me: “Concordas com o casamento gay?”. Lembrei-me então de uma brincadeira que os miúdos faziam uns aos outros na minha infância: um perguntava ao outro, ainda não avisado: “De que cor são as meias do revisor do combóio de mercadorias?”. Nem sempre os miúdos respondiam de imediato. Alguns ficavam embaraçados. Porém, depois de algumas hesitações, lá reconheciam a rasteira subtil da pergunta: o combóio de mercadorias não tem revisor. Depois riamos. Também me lembro nesses tempos recuados de um vizinho bêbado que criava galinhas, pintava-as de várias cores, e depois exibia-as como prova da existência de galinhas coloridas. Estas duas ocorrências anedóticas infantis são semelhantes à rasteira da pergunta inicial. Com efeito, a questão da concordância (ou não) com o tal de “casamento gay” está mal colocada, uma vez que, simplesmente, não existe tal casamento, como também não existem, como seu resultado, as supostas “família de homossexuais”, que são uma ficção. Contudo, alguns disseram que sim. E as leis do “casamento gay” (2010) e da “adopção gay” (2016) deram também essa ilusão. Ora, tais leis foram precedidas da cobertura teórica de alguns “especialistas” do “social”, como mostrarei mais à frente. Porém, antes disso, detenhamo-nos nos dois parágrafos já a seguir, básicos, teóricos e fundamentais.
De um modo geral, na literatura sociológica e psicológica, refere-se a chamada “família nuclear” e, a par desta, as chamadas “novas formas de famílias”. Entre elas figuram a “família reconstruída”, a “família monoparental” e a “família homossexual”. Todavia, a aludida “família nuclear” (casal, homem e mulher, com ou sem filhos) é, na realidade, a noção própria de família, fundamental e estruturante. Assim, dizer “família nuclear” é, portanto, um pleonasmo desnecessário. Este pormenor é muito importante, uma vez que a adjectivação manhosa de “nuclear” (e também de “nuclear tradicional”) abriu a alguns sociólogos e psicólogos a porta para, a partir daí, atribuírem nomes a supostas variações e modalidades de “família” para além da classificada de “nuclear”. E, deste modo, houve progressivamente um deslizamento de sentido e um esfarelamento do próprio conceito de “família”, gerando a situação conceptual grave que temos hoje, com a noção de “novas formas de família”, atribuídas cada vez mais a formas que, não raras vezes, são resíduos, quando não destruições, da unidade do grupo familiar, obnubiladas agora pelos cientistas sociais com a designação elegante e disfarçada de “novas formas de família”.
A socióloga Evelyne Sullerot, no seu livro “A Família. Da Crise à Necessidade” (Lisboa, Editora Piaget, 1999), bem sublinha que a família “é uma célula social com várias facetas cujos componentes, membros são biologicamente aparentados. Comporta um núcleo irredutível: um homem / uma mulher / um ou vários filho(s). Nenhum dos membros desta célula social é substituível, no plano geracional ou fraternal” (Op. cit., p. 26). Também, com o filósofo Michel Renaud, pode-se afirmar que “o triângulo da família – mãe, pai, filho – é (…) construído ao nível especificamente humano” (“Análise Filosófica da Família”, In revista “Brotéria”, 3, vol. 142, Março 1996, pp. 287-309). Depois destes esclarecimentos, estamos em melhores condições para avaliar os erros de alguns cultores das ciências sociais, que preparam o terreno para uma colossal fraude jurídica, doutrinal e sociológica chamada “família homossexual”. Vejamos então dois exemplos.
Fausto Amaro é sociólogo da família, e ainda Professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa. “Peso pesado” do mundo académico (catedrático de Política Social e vice-reitor da Universidade Atlântica), escreveu certa vez: “O facto de o casamento ser uma das reivindicações públicas das pessoas com orientação homossexual constitui mais um indicador da importância do casamento na sociedade actual” (sic) (In “Introdução à Sociologia da Família”, Lisboa, ISCSP, 2006, p. 59).
Ora, não existe “casamento homossexual”. O casamento resulta da união homem/mulher, referência à estrutura da realidade da Lei Natural (e Divina), da polaridade universal, e não de modificações na linguagem, nos “constructos” sociológicos ou na lei. E é celebrado de formas muito diversas consoante as culturas (com atribuição de “status”, ritos, cerimónias peculiares, etc.) precisamente porque todas as culturas valorizam uma relação que espelha a polaridade da Natureza e que, por isso mesmo, é (quase sempre) fonte de vida. De certo modo, todos os rituais de casamento são formas diversas das culturas celebrarem a Ordem Cósmica Universal do “yin-yang” (para usar a terminologia taoista). Assim, o tal de “casamento homossexual” é uma mera combinação de palavras. É como se se disséssemos “tartaruga com asas” ou “elefante amarelo”. Linguisticamente é um som sem significado. Juridicamente é uma vandalização do Direito de Família.
Em segundo lugar, o sociólogo utiliza a expressão “orientação homossexual”. Não é aqui lugar para discorrer sobre o complexo fenómeno do comportamento homossexual, mas dizer que se trata de uma “orientação” é um erro (já repararam que cada vez mais qualquer comportamento é encarado como sendo mais um “orientação”?). Por isso é que, como afirmou certa vez Nuno de Salter Cid, “a inclusão da expressão ‘orientação sexual’ nas normas e princípios de direito internacional e de direito constitucional, relevantes em matéria de igualdade, constitui uma das ‘frentes de batalha’ da ‘causa homossexual’” (In revista “Economia e Sociologia”, n.º 66, 1998, pp. 232-233).
Actualmente, dado o processo acelerado de “homossexualização” da sociedade, cada vez mais a consciência das pessoas fica turvada (com a ajuda de alguns ditos “especialistas”, diga-se de passagem) para o reconhecimento do óbvio: que a homossexualidade é uma desorientação, um desvio, mesmo que desde 1973, se não me engano, a Psiquiatria deixasse de considerar o comportamento homossexual como patologia. Continuará sempre válida a afirmação do antigo psiquiatra A. Fernandes da Fonseca, que escreveu: “a homossexualidade não poderá deixar de ser considerada, do ponto de vista psicobiológico e do destino humano, como um desvio do objecto normal do impulso sexual, que é, sem dúvida, o da sua relação com o sexo oposto. Isso nada tem a ver (…) com a maior ou menor permissividade social e com as normas de aceitação ou rejeição do fenómeno por uma determinada sociedade” (In “Psiquiatria e Psicopatologia, I volume”, Lisboa, Gulbenkian, 1985, p. 499).
Abro aqui um parentese para estabelecer a distinção importante entre homossexualismo e “gayzismo”. O homossexualismo é simplesmente um comportamento desviante, enquanto o “gayzismo” é a utilização dos indivíduos que têm esse comportamento como arma de combate político para criar caos, agitação e desordem, sob capa desvairada dos “direitos”. Em rigor, nenhum homossexual de verdade quer “casar”. É o “gay” que reivindica a absurdidade do “casamento das pessoas do mesmo sexo”. É o “gay” que arrasta o homossexual para a militância absurda de uma “cultura de morte”.
Prosseguindo: é também descabido dizer, como escreve Fausto Amaro, que o tal de “casamento das pessoas do mesmo sexo” é “um indicador da importância do casamento na sociedade actual”. É, isso sim, mais uma forma de institucionalizar um comportamento desviante e de branquear a conhecida “crise da família”. Ora, “crise”? Qual “crise”? Se até temos agora mais “famílias” …“de homossexuais”?
Acrescenta depois o sociólogo: “Entre os aspectos que a lei portuguesa não reconhece aos casais homossexuais está o casamento e a possibilidade de adopção de crianças pelo casal, estando-lhes, portanto, vedada a constituição de família como acontece no casamento ou na constituição de pessoas de sexo diferente” (Op. cit., p.67). A afirmação é de 2006. Já sabemos que, neste particular, a lei mudou. Para pior. A Lei n.º 9/2010, de 31 de Maio, introduziu na ordem jurídica portuguesa o tal “casamento entre pessoas do mesmo sexo”, alterando os artigos n.ºs 1577 e 1591 do Código Civil (com os votos a favor do PS, CDU e BE, e votos contra do CDS-PP e do PSD). E desde Fevereiro de 2016 é ainda permitida por lei a adopção por “casais do mesmo sexo” (a propósito, não sei se ainda se lembram, por essa data, do cartaz bloquista blasfemo “Até Cristo teve dois pais”). Enfim…
Continuemos. Atente-se nas expressões usadas pelo sociólogo (“não reconhece” e “vedada a constituição”), que dão a ideia de privação e de falta. O uso desta linguagem negativa, quando cai num meio como o nosso, já intoxicado com universais abstractos (do tipo “igualdade”, “democracia” etc.) incita e espicaça grupos desviantes à luta, numa atmosfera mental de maluquice para a obtenção de “direitos”. Nuno de Salter Cid, numa linguagem a meu ver excessivamente contida, designou-a certa vez como “a euforia dos direitos” (Op. cit., p. 235)
Finalmente, referindo-se aos opositores do “casamento gay”, escreveu Fausto Amaro: “consideram que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não só não está de acordo com a moral tradicional no país, de inspiração cristã, como dariam origem a famílias que trariam problemas no domínio da socialização das crianças que viessem a ser incluídas na família, quer pelos mecanismos da adopção, quer da reprodução medicamente assistida, no caso do casamento entre mulheres” (Op. cit., p.18).
Ora a constatação da absurdidade do tal “casamento entre pessoas do mesmo sexo” não deriva, em primeira instância, da “moral tradicional do país, de inspiração cristã”. A interferência do Cristianismo no casamento foi a da sua sacralização, e por conseguinte do seu encaminhamento em direcção a um projecto salvífico – historicamente, uma espécie de “upgrade”, diríamos hoje em linguagem informática. Na realidade, o casamento (entenda-se correctamente: de homem e mulher) e a sua valorização social como acto fundador de uma família é uma instituição cujas origens se perdem na história. Em face dessa realidade pré-existente, a Igreja veio, por assim dizer, “colocar a cereja em cima do bolo”, o que não é de somenos (pelos menos para os que se assumem como cristãos). Quanto aos problemas que pares de pederastas ou lésbicas (utilizemos desta vez a linguagem correcta!) produziriam (na verdade já estão produzindo há algum tempo) no domínio da socialização das crianças incluídas nesses grupos domésticos, tenho cá um dedinho que adivinha, sim, futuras crianças e jovens com graves problemas de identidade, de pertença e outros. Ou teremos que esperar pelos resultados da investigação científica do Doutor Fausto Amaro?
Como segundo exemplo apresento o de Madalena Alarcão. Psicóloga, doutorada em Psicologia Clínica, ligada à terapia familiar, apoiando-se na área da Sistémica e da Pragmática da Comunicação Humana, a autora encara a família como sistema, mas obnubila a especificidade desse sistema como polaridade sexual e cósmica, dizendo: “Existem hoje muitas definições de família mas talvez o mais importante seja vê-la como um todo, como uma emergência dos seus elementos, o que a torna una e única” (In “(Des)Equilíbrios familiares”, Coimbra, Quarteto Editora, 2000, p.37). Com isto, Alarcão praticamente não diz nada e esquece o fundamental, reduzindo a família a um conjunto de indivíduos que estabelecem relações, partilham emoções e estabelecem comunicação. Na verdade, dilui a noção de família num qualquer grupo com estas características.
Escreveu também a psicóloga: “Não fora o casal ser composto por dois elementos do mesmo sexo e consideraríamos esta como uma família nuclear” (sic) (Op. cit., p. 228). A sério? Francamente! É caso para dizer: não fora uma tartaruga ter asas, até lhe chamaríamos gaivota! Não fora um javali miar até lhe chamaríamos gato! Pois precisamente um casal é casal porque é composto por dois seres humanos de sexo diferente e complementar. Exactamente por isso é que é uma contradição de termos dizer “casal homossexual”.
Acrescentou ainda a psicóloga: “Contrariamente às espectativas geradas, não tem sido encontrada evidência de confusão na identidade sexual dos filhos de casais homossexuais”(…) De acordo com a investigação actualmente disponível, parece que o maior risco para estas famílias está na atitude segregadora da sociedade heterossexual” (sic) (Op. cit., p. 229-230).
Acaso a doutora estará à espera que essa confusão ocorra para depois necessitar ser corrigida? Ora, na prática, as pessoas orientam-se pelo que elas próprias sabem e pensam, e ainda por um misto de bom senso, intuição, saber acumulado de incontáveis gerações anteriores, Tradição, Revelação etc., e só muito secundariamente pela “investigação actualmente disponível”, até porque esta muda de ano para ano (sem contar com as fraudes científicas). Se estivéssemos rendidos à tal “investigação actualmente disponível”, teríamos que nos prostrar aos pés da Doutora Madalena Alarcão e de meia-dúzia de psicólogos e engenheiros sociais, detentores excelsos dos resultados actualizadíssimos do último grito da investigação. E essa ideia da “atitude segregadora da sociedade heterossexual” faz-me rir.
Conhece-se alguma sociedade homossexual? Acabaria na geração seguinte! Portanto, dizer “sociedade heterossexual” é desnecessário, e é um pleonasmo manipulatório. E o que se deve entender por “atitude segregadora”? Imagine que as sociedades têm sido tão “segregadoras” ao longo dos tempos que pelo menos desde o homem de Neanderthal não houve, que se saiba, nenhuma “família homossexual”. E, é claro, haverá sempre o truque manhoso de inversão argumentativa, que consistirá em dizer que os problemas destes (assim chamados) “filhos de casais homossexuais” terão origem nos “preconceitos” e “discriminações” da sociedade envolvente… Então… Toca a mudar a sociedade inteira… toda ela agora identificada como “homofóbica”!
As afirmações desta psicóloga compreendem-se melhor se consultarmos uma obra que coordenou em conjunto com outra psicóloga, Ana Paula Relvas (“Novas Formas de Família”, 2.ª edição, Edições Quarteto, 2007). Aí percebe-se que a dupla foi inspirada pelo construtivismo social e pelo feminismo radical (cf. pp. 310-312). Ora, o construtivismo social é uma teoria errada, um charlatanismo académico que privilegia a intersubjectividade da linguagem em relação à estrutura da realidade e ao mundo observável. Daí as autoras declinarem a noção de família sob o ponto de vista natural e biológico. Daí o erro de considerarem a família como uma simples “construção social e discursiva” (Op. cit., p. 310).
Por outro lado, pela via do feminismo radical, as autoras foram influenciadas pela noção de família “entendida como uma ideologia que determina as relações de género e a subordinação da mulher” (Op. cit.,p. 311). Quanto à “subordinação da mulher”, como encarada pelas feministas radicais, isso daria outro artigo. Só afirmo aqui que, relativamente ao feminismo, estamos hoje muito longe das reivindicações das antigas sufragistas americanas.
Actualmente, talvez até o leitor nem imagine as maluquices que circulam nos meios pseudo-intelectuais feministas por esse mundo fora onde, não raras vezes, se misturam a desonestidade intelectual, a perversidade, o lesbianismo, a perda de identidade, o desvario teórico, etc..
Alexandre de Sousa
7 de Dezembro de 2019