Tratamento de saúde obrigatório em um país que aprova a morte assistida e a morte da vida não planeada gera alguma preocupação. Muitos confiam nas vacinas, outros já desconfiavam antes. A verdade é que como tudo que é novo, existe desconfiança e certa resistência. E não é de todo infundada. Porém, o presente texto procura-se ater a questões jurídicas. As vacinas estão a ser aplicadas, e a vontade de todos é que elas cumpram seu objetivo, porém, com ou sem a certeza quanto aos seus efeitos, o cidadão não pode ser obrigado a submeter-se. 

A Constituição portuguesa prevê o direito à objeção de consciência (art. 41°), esse direito, normalmente voltado para questões de obrigações militares, muitas vezes tem sua interpretação estendida também em relação à saúde, no sentido de que, ainda que seja uma indicação médica a realização de um aborto, por exemplo, a pessoa possa exercer seu direito de objeção para não realização do procedimento. 

O Código de Ética dos Médicos de Portugal prevê a possibilidade de não aceitação do tratamento pelo paciente, e aduz que a obrigação do médico é instruir com todas as informações necessárias para que o paciente tenha conhecimento real da escolha que faz, mas a própria ética médica defende não ser possível obrigar o paciente, que esteja em perfeita consciência, a realizar o tratamento. Inclusive, o próprio médico tem o direito a não realizar tratamento por objeção de consciência (arts. 37° e 49° Regulamento n° 14/2009). E isso fica evidente, quando observamos que em diversos países, médicos e profissionais da área de saúde recomendaram utilização de medicamentos alternativos, porém, tanto outros médicos como pacientes, não eram obrigados a aceitá-los. 

É possível ampliar o âmbito deste direito quando da observação da Declaração dos Direitos Humanos, em seu artigo 19°, o direito à liberdade de expressão e opinião, que define a impossibilidade de sua violação. E o que causa maior surpresa neste caso das vacinas, é a rejeição por parte de alguns profissionais de saúde. Há muitos que se recusaram a receber as doses de vacinas produzidas para combater a presente calamidade. Não são pessoas sem conhecimento, não são pessoas que desconfiam da ciência, muito menos pessoas que se posicionavam contra vacinas em geral. Trata-se de profissionais da área que mostram resistência, não contra vacinas, em si, mas contra as que estão disponibilizadas para a presente situação. 

E é evidente que todos querem soluções, querem que os tão numerosos esforços do combate produzam efeitos, porém, há que se ressaltar que as percentagens de eficácia das vacinas, sem conhecimento total dos riscos de adversidades, resultam em uma resistência de muitos à sua aplicação. As principais apresentam eficácia de: AstraZeneca (70%); Moderna (92%); Pfizer (95%); Sinovac (50 a 90%); Johnson & Johnson (66%). A impossibilidade de saber qual será aplicada torna a situação ainda mais insustentável.  

O estabelecimento de um “passaporte de vacinação europeu” soa segregador, faz parecer que, afinal, a vacina voluntária passa a ser obrigatória para o indivíduo que pretenda exercer seus direitos da vida civil. Em Israel, o país mais adiantado na vacinação, já existe um “passaporte verde”, que permite aos vacinados frequentarem ginásios, piscinas e espaços culturais. E o desespero por ver as coisas “de volta ao normal”, faz com que ideias segregadoras sejam aceites e incentivadas, faz com que a preocupação quanto às consequências das vacinas (e sua obrigatoriedade) pareça ignorância. 

Há que ressaltar ainda o facto de que a vacinação segue lenta por toda a Europa, em todos os países do bloco, é notório que a vacinação não atingiu os patamares esperados e que, certamente, os planos nacionais de vacinação seguirão atrasados. As economias nacionais que dependem fortemente do turismo incentivam esse passo, sem medir as consequências. Enquanto que países como França e Alemanha ponderam que tal medida tornará obrigatória a vacina e gerará segregação, parece óbvio, mas para alguns, vale tudo para “voltar ao normal”. 

Tudo isso para concluir que o estabelecimento de obrigatoriedade da vacina fere Direitos Fundamentais, protegidos por cartas internacionais e também pela Constituição nacional. Muito além de uma discussão acerca da eficácia ou não do método, esta deve ficar para os profissionais da área, defende-se a liberdade de escolha e, principalmente, ainda quando dizem ser voluntária, não haver supressão de direitos depois da recusa. Uma vez que ocorra, também se mostrará a violação de Direitos. Ainda que algo indireto, o estabelecimento de um “passaporte sanitário” fere direitos fundamentais, algo que nunca aconteceu no mundo, com nenhuma outra enfermidade, não poderá ser aceite neste tempo. Afinal, os Direitos Fundamentais aumentam e não diminuem, pelo menos é assim que deve ser, exceto num ‘Estado de Emergência’. 

Suellen Escariz, Advogada e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra.