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Massacre e Eclosão da Luta Armada
Há exactamente 60 anos, no dia 15 de Março de 1961, registou-se no Norte de Angola, em pouco mais de 48 horas, um dos mais terríveis crimes contra a Humanidade: o bárbaro assassinato de aproximadamente 7.000 Portugueses civis (cerca de 1.000 brancos e 6.000 negros), residentes em zonas predominantemente rurais dos distritos do Congo, Quanza Norte e Luanda.
Os ataques foram perpetrados sob a bandeira da UPA (União das Populações de Angola) – futura FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola, movimento terrorista, que iria compor com a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), a frente de “libertação” de Angola, adversária de armas das Forças Armadas Portuguesas nos 13 anos subsequentes.
Começava assim o terrorismo e a guerrilha em Angola. Mais tarde, o fenómeno foi alastrado para as províncias da Guiné Portuguesa (1963) e Moçambique (1964). Naquele fatídico dia, iniciava-se sem se saber, a Guerra do Ultramar.

Contexto Geopolítico
Entre 1955 e 1961, registaram-se acontecimentos e acentuaram-se tendências a nível global, que ajudaram a confeccionar o “caldo moral” ideal ao início das agressões à integridade do Império Ultramarino Português e suas populações:
- 1955: A Conferência de Bandung foi realizada a 18 de Abril de 1955, na Indonésia, convocada pela Birmânia, Ceilão, União Indiana, Indonésia e Paquistão, e lançou a semente do sentimento da “auto-determinação” nacional, de povos que possuíam na altura meras afinidades étnico-tribais;
- Internacionalização do Comunismo: As tendências separatistas germinadas em Bandung, foram quase sempre acompanhadas pela influência comunista, sob forma de aconselhamento e provisão de armas, quer pela República Popular da China, como pela União Soviética e seus “satélites” do Bloco de Leste Europeu;
- Crescimento do “Bloco Afro-Asiático” na ONU: A cada independência, o então denominado “bloco afro-asiático”, hostil a Portugal, ganhava um novo assento e consequentemente maior fulgor na ainda recente Organização das Nações Unidas;
- 1958: Realizou-se em Dezembro, a I Conferência dos Povos Africanos, em Accra, Gana. Delegações dos oito países na altura independentes em África, reuniram-se com actuais e futuros combatentes pró-independência do continente, como Holden Roberto (líder da UPA), Kenneth Kaunda da Zâmbia ou Patrice Lumumba do então Congo Belga / Congo-Léopoldville. A guerra franco-argelina foi tema central da conferência;
- 1960: II Conferência dos Povos Africanos – Janeiro, em Tunis, capital da Tunísia, onde Habib Bourguiba, presidente tunisino, se prontificou a ajudar Roberto na luta armada contra Portugal, com instrução e armas. A encapotada operação de entrega das armas, ocorreu aquando da missão de paz tunisina da ONU no Congo Belga, nesse mesmo ano. Neste ano foram concedidas 17 independências em toda a África;
- 1960: Independência do Congo Belga, concedida de forma rápida e sob elevada violência, levando os belgas a abandonar o território vários anos antes do que esteve na altura planeado. Patrice Lumumba passa a ser um mito inspirador das independências. No Congo, vizinho norte da Província de Angola, a base étnica da sua zona sul era a mesma da área mais setentrional de Angola – os bacongos, o que facilitava solidariedades e, por conseguinte, apoios e penetrações transfronteiriças. O Congo passou a ser uma sólida e segura retaguarda logística da UPA/FNLA, a nível de treino, aconselhamento militar e abastecimento de armas;
- 1961: Eleição e tomada de posse de John Fitzgerald Kennedy, a 20 de Janeiro de 61, como presidente dos EUA, que nunca escondeu o seu apoio à “auto-determinação” dos povos africanos, e consequente descolonização europeia. De repente, um amigo incondicional de Portugal, deixou de o ser, constituindo-se até como agente inspirador e financiador do terrorismo da UPA. A UPA recebeu apoio financeiro do Comité Americano de África, de vários governos africanos, tendo preponderância o de Léopoldville, e da CIA, que estava a proteger as suas apostas no futuro da África (1). Até no Brasil, e no mesmo ano, a troca de Juscelino Kubitschek, aliado português, por Jânio Quadros, favorável à descolonização portuguesa, não foi simpática para Portugal.
- 1961: Na III Conferência dos Povos Africanos, no Cairo, de 23 de Março de 1961 foi aprovado o “recurso à força para liquidar o imperialismo”, sendo referidos abertamente os territórios de Angola, Moçambique e Guiné, legitimando, de certa forma, os massacres que ocorriam em Angola.
Porém e apesar das duras tentativas de encurralar o governo português, este nunca aceitou os chamados “Ventos da História”. “Para Angola rapidamente e em força”, proferiu António de Oliveira Salazar, que nunca acreditou num Portugal pujante, soberano e com importante peso geopolítico, sem o Império Ultramarino. E neste pontificava Angola, sua “jóia da coroa”.

Antecedentes em Angola
O ano de 1961 foi um ano negro para Angola. Acontecimentos marcantes, sem ligação, na organização e no espaço, mas ocorridos num curto período de tempo, que ensombraram os primeiros três meses de 1961:
- No princípio de Janeiro, ocorreram graves incidentes de cariz laboral nas plantações de algodão da COTONANG na Baixa do Cassange, a leste de Malange;
- O assalto ao paquete “Santa Maria”, em 22 de Janeiro, por Henrique Galvão e alguns oposicionistas portugueses e espanhóis do DRIL (Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação), numa operação então designada pelo governo português de “acto de pirataria”, colocou Luanda de atalaia, com a ameaça do improvável mas possível desembarque do paquete comandado por terroristas de esquerda na cidade;
- A 4 de Fevereiro, Luanda acorda em estado de choque, após os sangrentos assaltos às prisões, Casa de Reclusão e Esquadra da PSP local. Terão morrido sete agentes das forças de segurança e entre 15 a 25 atacantes. Esta acção foi reivindicada pelo MPLA. Sabe-se hoje que o foi inapropriadamente. Fundado em 1960 (e não em 1956 como a história oficial do hoje partido político aponta), o movimento não tinha naquele tempo meios – humanos e técnicos, nem organização para a realização duma operação desta envergadura, encontrando-se até em processo de convulsão interna. O organizador mais consensual do ataque, é o cónego Manuel das Neves, que era Vigário Geral da Diocese de Luanda, e tinha ligações à UPA. Mais tarde foi preso pela PIDE;
- Massacre de 15 e 16 de Março, que será aprofundado ao longo de todo o artigo.
Os Dias do Morticínio
15 de Março de 1961: o dia amanhecia como tantos outros nas inóspitas roças de café do Norte de Angola (zonas dos Dembos, Negage, Úcua e Nambuangongo) – principal pilar económico dessa região, mas no meio do nevoeiro daquela lúgubre manhã, em plena época das chuvas, em vez do cantar do galo, o toque de alvorada foi dado pelos horrorosos urros de bandoleiros, de assassinos: “Mata, mata, UPA, UPA!”.
E começou deste modo a infame carnificina, em que se estima que mais de 7.000 seres humanos tenham perecido: homens, mulheres, crianças, brancos, mestiços, negros, fazendeiros, autoridades administrativas, agentes da ordem: ninguém ficou ileso. Ninguém escapou ao massacre. A fúria dos “bacongos”, etnia que constituía a base militante da UPA, não poupou ninguém. Armados de catanas e canhangulos e drogados para que não temessem as balas dos europeus, nas roças e localidades por onde passaram, torturaram e mataram as famílias europeias que encontraram, com sinistros requintes de malvadez. (2)

Contudo, foram os negros “bailundos” (povo banto, do grupo ovimbundo, instalado no planalto central de Angola, que sazonalmente se deslocava para o “norte”, para trabalhar nos densos e produtivos cafezais) os mais fustigados pela fúria dos sanguinários, súbditos de Holden Roberto, nos dias 15 e 16 de Março de 1961: quem não foi seduzido pelos terroristas, não aderindo à revolta contra os “patrões colonialistas”, foi prontamente e impiedosamente torturado e liquidado.
Esta imperdoável crueldade está documentada nas inúmeras fotografias publicadas na imprensa da época e incluída em livros, bem como em filmes que a RTP exibiu, onde se podem visualizar europeus e “bailundos”, vítimas do homicídio demencial, arbitrário e colérico dos assassinos. Desde corpos desmembrados – à “catanada” ou com serras de cortar madeira, mulheres esventradas e com paus espetados, cabeças sobre estacas, bebés e crianças esmagadas e esfaceladas contra as paredes, tudo era passível de ser verificado pelos nossos olhos. Foram também violadas inúmeras mulheres. Algumas terão sido abusadas por dezenas de facínoras em poucas horas. A perversidade e bestialidade não conheciam limites.

Além dos terroríficos danos humanos, muitas das casas e até mesmo aldeias inteiras foram também pilhadas e queimadas, rodovias cortadas ou destruídas – árvores derrubadas e buracos escavados nas estradas e picadas, o que resultou em inúmeras povoações completamente isoladas e nalguns casos, sitiadas pelos terroristas, numa épica resistência dos colonos – dotados de poucas armas de caça e de defesa pessoal, e escassas munições, face ao número desproporcional de bacongos enraivecidos que avançavam sobre as suas propriedades, ávidos de ver o sangue dos “colonos opressores” a jorrar.
“Em menos de 48 horas, pelos distritos do Zaire e do Uíge é a devastação maldita. Plantações e casas solitárias são saqueadas e incendiadas; aldeias são arrasadas; é posto cerco a vilas e pequenas povoações, cortando-se-lhes os abastecimentos; vias e meios de comunicação social ficam destruídos”, pode ler-se num excerto de Franco Nogueira no livro “Salazar Volume V – A Resistência”.
Reacção dos Mentores do Ataque
Holden Roberto, líder da UPA, que na altura dos ataques nem se encontrava em território congolês (encontrava-se na sede da ONU, em Nova Iorque, onde os Estados Unidos, votavam pela primeira vez contra a política ultramarina portuguesa – uma moção da Libéria), reconheceu várias vezes, em entrevistas, a crueldade dos ataques de Março de 1961, tendo até hesitado na reivindicação destes. Porém, e segundo o próprio Roberto, o ideólogo anti-colonialista das Antilhas Francesas, Frantz Fanon (hoje levianamente citado em conferências do “insuspeito” activista Mamadou Ba), um dos autores morais do massacre, incentivou-o a fazê-lo prontamente, sob pena de este ser reclamado pelo MPLA (3). Roberto, Fanon e restantes “arquitectos” do 15 de Março, acreditavam piamente que a brutalidade da barbárie, levasse os colonos a abandonar Angola, com a consequente facilitação da concessão da independência da província, por parte do governo de Portugal. Na generalidade não aconteceu: o apego às “terras vermelhas” angolanas, superava qualquer receio destes.

Resposta Militar
Em Angola, os efectivos militares contavam, no início de 1961, com 5.000 africanos e 1.500 metropolitanos, mal-armados e deficientemente equipados. Num território 14 vezes maior que Portugal Continental, a densidade média era de um soldado para cada 30 km².
O facto de nos encontrarmos à data destes trágicos acontecimentos, em plena época das chuvas no Norte de Angola, não ajudou também as populações massacradas, pois dificultando-lhes ou impossibilitando-lhes a fuga para “portos seguros” – como Carmona ou Luanda, não ajudou as parcas forças militares e policiais terrestres a chegarem sem demora às zonas assoladas. A escolha da estação das chuvas para a realização da acção terrorista não foi de todo aleatória, mas pelo contrário, decisiva para a UPA e co-organizadores na marcação da data do ataque.
A resposta militar ao 15 de Março tardou. Só havia quatro unidades de Caçadores Especiais em Angola (onde se destaca a famosa e heróica 6ª Companhia, comandada pelo capitão de infantaria Raúl Leandro dos Santos, coadjuvada pelos alferes milicianos Robles e Cruz Teixeira), um Esquadrão de Cavalaria – os ‘Dragões’ – que seriam depois reforçadas por uma Companhia de Para-quedistas e outras quatro de Caçadores Especiais vindas de Lisboa.

Os únicos meios aéreos que existiam na província seriam seis aviões de transporte “Noratlas” (também conhecidos em Angola como “Barriga de Ginguba”), fabricados pela francesa Nord-Aviation, seis PV-2 Airpoon fornecidos pela NATO para a luta anti-submarina (mais tarde adaptados como bombardeiros) e mais algumas aeronaves de reconhecimento. Só em Abril chegaram alguns aviões T6 (fabrico americano) com alguma capacidade de fogo, actuando com eficácia a partir das bases aéreas de Luanda e do Negage.
Assim, o primeiro tampão ao avanço dos guerrilheiros da UPA e da mortandade sem clemência, foi a bravura dos próprios civis, organizados em milícias, armados com as armas de caça e defesa pessoal de que dispunham. Em regra, as mulheres e crianças, fugiam, em estado de choque e conforme disponibilidade de auxílio, para Luanda e Lisboa.
O massacre de Março, não terá atingido proporções imensamente maiores graças à deficiente, mas pronta assistência prestada às populações pela Força Aérea Portuguesa (muitas vezes pilotando aviões de transporte com o triplo da lotação recomendada), e pelos grupos Para-quedistas chegados de emergência da metrópole. O corte das vias de comunicação pela UPA, as chuvas e o ainda incipiente conhecimento da área, tornaram a movimentação por terra, lenta e penosa. Dessarte, tudo leva a crer que os primeiros reforços terrestres – do contingente que já se encontrava em Angola a 15 de Março, apenas tenham alcançado os territórios fustigados, cerca de três semanas depois da triste data.
Ademais, só no início de Maio de 61 se inicia a reocupação dos territórios fustigados com o primeiro contingente de tropas metropolitanas de reforço. Quase dois meses depois do massacre. Não obstante, ao fim de poucos meses a situação encontrava-se relativamente controlada no Norte de Angola, com os guerrilheiros maioritariamente recolhidos à sua retaguarda e “santuário natural”: o já independente Congo-Kinshasa ou ex-Belga. Contudo, seis meses depois ainda se encontravam cadáveres dos dias 15 e 16 de Março em valas comuns.

Desenlace e Epílogo
Seguiram-se avanços e recuos, mas em 1974, data do término da guerra como resultado da Revolução de Abril, a guerra em Angola encontrava-se militarmente ganha pelos portugueses, com quase todo o território pacificado, e as guerrilhas inoperantes ou até lutando entre si. A 11 de Novembro de 1975, Angola festeja a sua independência “perante a África e o Mundo”, oferecida de bandeja pela classe política pós-revolucionária, de forma irresponsável e sem qualquer consulta popular. Angola mergulhou em 27 anos de uma guerra civil fratricida.
Como alguns previram, a Guerra de Angola, foi vencida em África e perdida em Lisboa. O sangue vertido pelos portugueses, brancos e negros, naquele trágico Março de 61 e ao longo de toda a guerra que se seguiu, foi politicamente em vão. Mas espiritual e historicamente não terá de o ser obrigatoriamente. Cabe aos que conhecem os factos que não o seja. Empreendamos assim esforços, e através da palavra e da pena, façamos chegar a verdade e nada mais que a verdade, a todas as gerações, vivas ou por nascer.
- FELGAS, Hélio. Angola e a Evolução Política dos Territórios Vizinhos (Angola and the Political Evolution of the Neighboring Territories). Revista Militar. Portugal, Dezembro de 1965: 706.
- NAVARRO, Hugo. Os massacres de 1961 no Norte de Angola. Jornal O DIABO. Portugal, 16 de Junho de 2015.
- A GUERRA (documentário). Joaquim Furtado. RTP. 2007.

«No princípio de Janeiro, ocorreram graves incidentes de cariz laboral nas plantações de algodão da COTONANG na Baixa do Cassange, a leste de Malange».
Se foram graves incidentes, deveriam ser abordados de alguma forma. Assim, apesar de serem mencionados, não se sabe o que foram, o que, para efeito de percepção por parte do leitor, é quase o mesmo que não terem acontecido.
Massacre este que teve o apoio do sr. JFK que, segundo o Historiador Manuel Freire Antunes, enviou uma “ajuda” de 20 mil dólares aos nascentes “movimentos de libertação” de Angola ….
A arrogancia americana só rivalizava então com a sua tendencia inata de dar tiros nos próprios pés.
Os que viveram o terror e os que ainda hoje vivem o medo da propaganda que ainda se faz hoje contra a nossa colonização, esses nunca terão justiça;
É só pela pena, enquanto também esta não nos for subtraída, que podemos e devemos elucidar e educar os nossos jovens sobre a verdadeira colonização Portuguesa, completamente legal à altura e que mais países exerciam então.