No alto, quase colada ao teto, a televisão dita a dinâmica do pub, como antigamente, no topo das colinas, as catedrais regiam o dia-a-dia das aldeias. No ecrã, decorre o “clásico”. Messi acaba de inaugurar o marcador, com um golpe de cabeça que não se coaduna com a sua estatura. A surpresa-mor, contudo, acontece do lado de cá do ecrã e toma corpo no modo calado, quedo e quieto com que reajo à alteração no resultado A) Quem me conhece, longe ou perto das quatro linhas, sabe que sou um tipo de temperamento cálido e não é qualquer circunstância que me contém B) Quem está a corrente que vivi na capital da região da Catalunha, espera que eu automaticamente seja do Barça. “Não estás a gostar do jogo ou és do Real por causa do Ronaldo?”, questionam-me. “Fosse uma questão de afinidades, seria do Madrid. Por se vestirem num imaculado branco”, respondo.

O raciocínio acima descrito, demonstra como o pensamento sócio-político desceu ao nível do relvado ou do café de esquina. Acrescente-se, para cimentar o argumento, que também costumo chocar muito incrédulo por não defender a independência da Catalunha. Erro crasso, de repercussões nefastas, esquecendo-se de dois aspetos fundamentais A) A propaganda massiva é co-responsável pela – enquanto efeito secundário – criação de indivíduos adversos ao que é ou se quer estabelecido B) Ainda há quem tenha uma centelha de sensatez e se atreva a pensar pela própria cabeça, recusando abraçar as causas da praça pública e das redes sociais, simplesmente porque sim ou para ser aceito pelo muitas vezes medonho mundo do outros.

Este erro, tão repetitivo que diria quase crónico, tem-se revelado o tiro no pé dos progressistas, pró-ativos em evangelizar as massas com a dedicação dum apóstolo, numa não-assumida missão de uniformizar as opiniões e simultaneamente propagar a diversidade. O domínio desta doutrina – como, de resto, em qualquer domínio não-consentido – tem dado azo e voz aos que nela não se revém e, no segredo das urnas e sem sair para a rua de cartaz em riste, se viram para as neo-figuras dissidentes.

Parlamento Húngaro

Falando nessas neo-figuras. Ao me opor à migração, tenho sido tomado como manipulado pela agenda do governo Húngaro. Engraçado. Viver em Budapeste não me garante exatamente a mesma legitimidade intelectual para votar em Viktor Orban, à que viver em Barcelona me dava para ver em Puigdemont o salvador da Pátria que a Catalunha não é. Enfim, mais uma falácia. A) O Fidesz não é contra a migração, mas sim contra as vagas de migração ilegal e a ameaça que elas constituem para quem cá vive e para quem cá chega com intenções de se integrar B) Após morar na Polónia e, agora, em Budapeste, a minha opinião sobre o assunto da migração praticamente não mudou.

Assim se revela o rebanho humano e o pensamento do autómato, percursores dos pós-humanos que a Inteligência Artificial porventura trará ao planeta Terra. A única fórmula de fuga a este movimento passa por estar atento às duas, doutrinas vigentes e chamadas alternativas, digerir e compará-las como se duas cotações se tratassem e depois, só depois, tomar partido por aquele em quem encontremos mais eco das nossas – então, sim, esclarecidas – ideias.

Vítor Vicente