O partido Chega tinha quatro objectivos principais nas eleições do passado mês de Outubro: ultrapassar a fasquia dos 50,000 votos e qualificar-se para a subvenção pública aos partidos, e eleger um primeiro e um segundo deputados. O quarto objectivo era tácito: ser o mais votado dos pequenos partidos, sobretudo no eleitorado de direita.

Havia um certo receio mútuo e tensão entre o Chega e a Iniciativa Liberal (IL), algo que era palpável nas redes sociais. Porquê? Porque a viabilização de um ou outro enquanto partidos parlamentares e as condições de tal viabilização, prenunciaria também a sustentabilidade de um e outro projecto político.

A IL tem mais apoio no Porto do que o Chega, por enquanto, e juntamente com um maior financiamento, qualidade de marketing e apoio dos media do sistema, é perfeitamente possível que um dia venha a ultrapassar o Chega – quer em número de votos ou deputados.

Qual o trunfo do Chega? Ideologia.

O Chega é um partido conservador e tem posições concretas em todos os sectores da governação. Um sistema político racional teria tentado rivalizar com o Chega em posicionamento conservador mas em vez de o fazer, faz o seu melhor por dele se distanciar e esmera-se mesmo pelo isolar, ostracizar e difamar. Se o Chega não era suficientemente conservador para alguns, agora certamente que tem a reputação de o ser…

Como num sistema aonde o voto útil está morto, os eleitores preferem o artigo genuíno à cópia, isto implica que o Chega terá muito espaço para crescer nos próximos anos. Mesmo quando o PSD e o CDS se aperceberem do monumental erro que estão a cometer, talvez venha a ser tarde demais.

Durante a campanha eleitoral, a política da IL foi a do tabu táctico. Não comentou questões culturais e sociais, não comentou política externa a não ser para professar amor eterno pela “Europa”, não comentou o sistema de justiça e não comentou outras formações partidárias. A economia é o tópico mais importante para um país pobre e estagnado mas quando toca a persuadir um eleitor, convém ter argumentos mais numerosos.

O Chega conseguiu três dos seus quatro objectivos mas a IL conseguiu ainda menos. É que a IL não só não elegeu um segundo deputado como não logrou eleger o seu líder e ainda por cima ficou abaixo do Chega no voto nacional, o qual – cúmulo dos cúmulos – põe o Chega à frente da IL na maioria dos distritos.

A IL tem um problema adicional: como a sua base são os liberais de centro, tal base é extraordinariamente vulnerável a rivalidade ideológica de outros partidos de centro. Em que seria a IL distinta de um PS ou de um PSD ligeiramente mais liberais na economia? Não seria em matéria de justiça, de imigração, de política externa ou de educação…

Em 2019, todos os partidos do antigo arco da governação viraram ao centro-esquerda e todos – exceptuando o PS – foram punidos por isso: o PSD teve um desaire histórico, a CDS sofreu uma hecatombe e até o Bloco de Esquerda perdeu 50,000 votos e viu surgir-lhe um rival na extrema-esquerda.

E se nas próximas eleições os partidos do sistema apostarem numa plataforma eleitoral mais liberal?

Por estas e outras razões, o verniz do tabu táctico da IL está a cair: na última semana Carlos Guimarães Pinto lançou dois ataques directos ao partido Chega.

Num ataque pessoal no Twitter, ridicularizou as convicções religiosas de André Ventura e num artigo no – ultra megafone do sistema socialista instalado – jornal Público, equiparou o Chega ao partido Livre e deixou uma pouco discreta insinuação de fascismo com a terminologia de “política de ressentimento”.

A IL pode, naturalmente, insurgir-se contra décadas de socialismo em Portugal. Mas se outros o fazem …bem, é politicamente incorrecto pois fazem uso de “políticas de ressentimento”…

Não me surpreenderia que mais ataques se seguissem.

Mas há uma derradeira e importantíssima razão para esta mudança. O que está em perigo para a Iniciativa, não é apenas a sua futura viabilidade eleitoral mas a própria coerência e consistência da sua base de militantes. CGP está a enviar mensagens para fora …e para dentro do partido.

A IL anunciou desde cedo a sua intenção de se sentar entre o PS e o PSD na Assembleia da República, porque não se revê na clássica dicotomia esquerda-direita. Desafortunadamente, foram frustrados na sua tentativa de terem como colegas de hemiciclo o PS e o PAN… enfim, não se pode ter tudo.

Porque era tal posicionamento importante? Porque dentro da IL, muitos dos liberais a nível económico, discordam a nível ideológico em tudo o resto. Existem conservadores liberais e progressistas liberais dentro da IL. A paz fria entre uns e outros não é estável se a IL for conotada como um partido de direita. Por conseguinte, CGP tenta actualmente pôr água na fervura, assegurando que a IL claramente se distingue do resto da direita ao nível dos valores e ainda mais pertinente, que o Chega não pode ser alternativa para eleitores da IL, sendo o partido proscrito pela elite bien pensant instalada, que é.

Os próximos 4 anos – com sorte, os próximos 2 – serão muito úteis para separar trigos de joios…

Miguel Nunes Silva

28 de Outubro de 2019