Trás-os-Montes, além dos finos recortes montanhosos enamorados do Douro, dos pratos de bom sabor a terra e do povo de contagiante devoção, orgulho e labor, é fértil nos campos da tradição. Onde há tradição, há raízes. Hoje partilhamos com os estimados leitores os Pitos de Santa Luzia. Calma! A nossa intenção permanece leal à voz do castiço e não à voz de rafeiras brejeirices, apesar do nome sugerir curiosos (ainda que indignos) pensamentos.

No dia dedicado a Santa Luzia, 13 de Dezembro, para os lados de Vila Real, as raparigas oferecem o seu pito aos rapazes que tomaram o seu coração. No caso, o pito é um bolo com recheio de abóbora que adoçicará o amor da gente zelosa aos costumes. Para que não existam injustiças de paladares e se consagre o equilíbrio amoroso, os rapazes retribuem a entrega do pito no dia 3 de Fevereiro, dedicado a São Brás, através da oferta das ganchas, rebuçados com o formato dos seculares báculos bispais.

Do profano veio o sagrado e do pecado veio a virtude. Porquê? Porque tudo começou na gula de Ermelinda Correia, natural de Vila Nova, Folhadela, a criadora dos pitos de Santa Luzia. O seu desejo obsessivo por doces azedava a vida dos pais, que a enclausuraram no convento de Santa Clara. Já devota de Santa Luzia, padroeira dos cegos, cuidava dos enfermos conforme a ordem do Senhor, até que teve uma visão. Os pachos que usava nos curativos deveriam transformar-se em doces, o austero pano desejava-se massa de farinha!

Correu para a cozinha e fez a massa de farinha e água e cortou-a em pequenos quadrados. Tinha consigo o cibo do açúcar que lhe cabia na ração, e fez uma compota de abóbora. À imagem dos pachos dobrou a massa por cima da compota e levou ao forno a cozer. A seguir despachou-se a esconde-los, pois estava proibida de ser gulosa. A caminho cruzou-se com a madre superiora que era cega. A madre perguntou desconfiada, o que leva no tabuleiro. Cheirando o perfume adocicado, a Irmã Imaculada apressa-se a responder que são pachos de linhaça para os doentes do dia seguinte.

O dia 13 de Dezembro consagra à Irmã Imaculada de Jesus a criação destes doces regionais, e ainda hoje é celebrada esta tradição, na capela de Vila Nova.

Francisco Paixão
Escritor, Historiador, Apologeta