Não foi preciso esperar muito para o Bloco de Esquerda apresentar novamente o projeto de lei sobre a eutanásia. Mais do que expectável, o Bloco precisa de causas fraturantes como de pão para a boca. Não se trata só do seu ADN, é uma questão de sobrevivência política, nada mais. Saídos de umas eleições que lhes correu especialmente mal, o Bloco precisa de despenalizar a “morte assistida” para os portugueses, sob pena de serem os portugueses a assistirem à “morte assistida” do Bloco.
Perante isto, mal anunciada a intenção da extrema esquerda de apresentar um projeto de lei sobre a eutanásia, alguns correram imediatamente para a solução do referendo. Sobre isto gostaria de me debruçar um pouco. Em primeiro lugar, nenhum parlamento tem legitimidade para legislar sobre a inviolabilidade da Vida Humana desde a conceção até à morte natural e o mesmo princípio aplica-se aos referendos. Repare, seria inimaginável realizar um referendo à Democracia, pois é hoje reconhecido o valor da liberdade como intrínseco à condição humana, pior seria referendarmos a própria vida humana, que mesmo saindo vitoriosos prejudicaria a longo prazo a nossa luta por termos abdicado deste princípio básico e fundamental.
Por outro lado, tenho sérias dúvidas que seja viável, entre primeiro os deputados aprovarem um referendo e depois uma vitória nele, vai uma distância enorme e atendendo às atuais circunstâncias, acho que o timing político é péssimo. Em segundo, perante o historial que temos em Portugal, mesmo com uma vitória num possível referendo fraturante, o máximo que ganhamos é tempo, porque todos sabemos que nada impede a agenda totalitária da extrema-esquerda. Mais, se dúvidas houvesse sobre o impacto que um referendo pode ter, pergunto: alguém imagina hoje possível revogar a lei do aborto depois do referendo de 2007? Ou seja, depois de referendada uma questão iníqua, torna-se, extremamente difícil a sua revogação.
Por isso, as consequências de uma eventual derrota no referendo é hipotecar por um grande período de tempo a possibilidade de revogar uma possível lei da eutanásia. Digo isto porque acredito que para já, perdemos a batalha da eutanásia a 6 de outubro, quando não conseguimos ter uma maioria de direita no parlamento. Pior, se nem conseguimos convencer todos os 79 deputados do PSD que estão a cometer um grave erro ao despenalizar a eutanásia, com que meios podemos convencer todos os portugueses de uma matéria tão complexa e sensível?
É evidente que o atual quadro parlamentar é realmente assustador e não dá margens para dúvidas, por vontade do parlamento a eutanásia passará à primeira oportunidade e piores leis, depois dessa, virão. A extrema esquerda detém hoje uma hegemonia como poucos em Portugal, tem uma expressiva representação parlamentar, controla como ninguém a comunicação social, manobra habilmente a agenda política aos seus míseros interesses e está firmemente implementada na sociedade civil. Por outro lado, os nossos grandes aliados como a Igreja Católica, que afirma claramente a dignidade inviolável da Vida Humana, mas é muitas vezes uma voz tímida e já não é a primeira vez, que algum clero desautoriza os políticos que a muito custo vão tentando defender a Doutrina Social da Igreja. Não me parece que esteja a ser injusto quando digo que muitos ativistas pró-vida acabam por sentir-se desamparados e sós com esta realidade.
Para impedir a aprovação de mais leis iníquas em Portugal, acredito que precisamos de ter um largo bloco de deputados pró-vida no parlamento, e que não seja apenas para uma legislatura de 4 anos, se for preciso para que estejam 40 anos. A Direita tem invariavelmente de ter uma relação diferente com a comunicação social do que a que tem atualmente. Não pode ter receio de se implementar na sociedade civil e tem de criar uma militância fiel nas novas gerações. Nessas circunstâncias poderemos ter pulso na agenda política. Para além disso, acredito que a atual conjuntura europeia poderá abrir espaço para esse cenário e é nesse sentido que acredito que essa deveria ser a nossa batalha e não andar “ao toque de caixa” das causas do Bloco de Esquerda.
O que me aflige no referendo não é a possibilidade de derrota, longe disso, até, quem sabe, poderíamos ganhar. Se a eutanásia implementada em países bem mais desenvolvidos do que o nosso descamba sempre para a rampa deslizante, imaginem no nosso país com o sistema de saúde que temos: seria o verdadeiro caos. Por isso nunca será a derrota o meu receio, desde que me lembro de defender a dignidade da Vida Humana, que para todo o lado que fui, estive sempre em minoria, muitas vezes em percentagens verdadeiramente residuais. Se o meu medo fosse a derrota nunca seria pró-vida no primeiro lugar.
Se me permitem, avançar para o referendo, é no limite entrar na linguagem da esquerda radical e no caso específico da eutanásia, é subentender que a vida está nas nossas mãos, e um crente sabe que isso nunca será verdade.
É evidente que toda esta tese pode ser contradita com válidos argumentos em favor do referendo. Nunca poderemos esquecer que a eutanásia só será aprovada por culpa da agenda da extrema esquerda, como tal, o meu combate não se trava com quem defende o referendo como combate a uma lei injusta, mas antes, em quem pretende legislar sobre a dignidade humana em primeiro lugar. Cabe-nos a todos ir fazendo o melhor dentro da nossa habilidade, mas de acordo com a nossa consciência. Nesse sentido termino como comecei: queremos o referendo da eutanásia?
José Maria Matias
2 de Novembro de 2019