Qualquer organização humana é um conglomerado estruturado do trabalho de pessoas. A sua capacidade produtiva depende do (A) número de indivíduos que a integram, do (B) tempo que esses indivíduos dedicam à prossecução dos objetivos da organização, e da (C) produtividade desses indivíduos. Isto aplica-se a todas as organizações, seja a empresas, escolas, hospitais, organismos estatais ou igrejas.

Para qualquer organização aumentar a sua produção tem de ou ampliar (A) o número dos seus colaboradores, ou dilatar (B) o seu tempo de trabalho, ou melhorar (C) a sua produtividade. A produtividade das pessoas numa organização depende de muitas coisas, incluindo a motivação e capacidades individuais, os equipamentos que usam, e o sistema organizativo em que operam.

Numa crise, quando a procura dos bens ou serviços produzidos pela organização diminui, como acontece com algumas empresas no contexto pandémico em que vivemos, o correspondente ajuste na produção passa quase sempre ou por reduzir (A) o número dos seus colaboradores ou encurtar (B) o seu tempo de trabalho, já que a opção de diminuir (C) a sua produtividade não é usualmente considerada como possibilidade desejável, uma vez que não é Pareto eficiente. Mas também há crise quando a procura dos produtos ou serviços da organização supera em muito a sua capacidade de produção. Nestes casos a resposta passa ou por (A) admitir e treinar mais colaboradores, ou (B) pedir-lhes que trabalhem mais tempo, ou (C) introduzir melhorias organizacionais (tipicamente melhores “processos”) e fazer investimentos que melhorem a produtividade.

A Igreja Católica dá-nos um exemplo de uma organização com gargalos produtivos: na Amazónia faltam srs. padres. Nota o n.º 126 c) do Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo Amazônico: “Por falta de sacerdotes, as comunidades têm dificuldade de celebrar com frequência a Eucaristia. ‘A Igreja vive da Eucaristia’ e a Eucaristia edifica a Igreja.”  E qual é a solução proposta? Aumentar (C) a produtividade sacerdotal quer melhorando a sua motivação e capacidades pastorais, ou investindo em equipamentos que potenciem uma mais eficiente comunicação ou que permitam uma mais fácil e expedita proximidade com as muitas comunidades que eles servem, ou ainda reformando o sistema organizativo de modo que os srs. padres possam dedicar mais tempo às atividades em que são insubstituíveis, deixado os trabalhos de secretaria e de gestão para outros profissionais? Ou terá sido (B), fazer que dediquem mais tempo à pastoral? Nem (C) nem (B), mas (A): alterar os critérios de admissão para os trabalhadores da messe, de modo a se poder contratar um maior número e assim expandir o quadro: “Por isso, pede-se que, em vez de deixar as comunidades sem a Eucaristia, se alterem os critérios para selecionar e preparar os ministros autorizados para celebrá-la.”

Seria esta a melhor solução? A história da Igreja no Japão no século 16 dá-nos uma pista. Quando S. Francisco Xavier lá chegou, em 1549, “a vida das comunidades [japó]nicas ainda não atingidas pelo influxo da civilização ocidental se reflet[ia] na crença e nos ritos sobre a atuação dos espíritos, da divindade – chamada de inúmeras maneiras – com e no território, com e em relação à natureza. Esta cosmovisão se resum[ia] no ‘mantra’ de Francisco: ‘Tudo está interligado’ (LS, 16, 91, 117, 138 e 240). A integração da criação, da vida considerada como uma totalidade que abrange a existência inteira, constitui[a] a base da cultura tradicional [japonesa], que se transmite de geração em geração através da escuta da sabedoria ancestral, reserva viva da espiritualidade e da cultura indígena. Esta sabedoria inspira[va] o cuidado e o respeito pela criação, com clara consciência de seus limites, proibindo seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro.” (IL, nºs 25 e 26)

Mas se o contexto religioso no Japão em 1549 era semelhante ao da Amazónia em 2019, ao ponto do mesmo diagnóstico feito no IL para a Amazónia se poder aplicar igualmente à Nipónia, os missionários do século 16 desfrutavam de um pacote de vantagens sobre os srs. padres atuais: não tinham internet nem barcos a motor, não havia escolas que lhes ensinassem as línguas nativas nem tinham acesso a telefones, não podiam receber encomendas postais nem transferências bancárias internacionais, nem tinham sido doutrinados para relativismo moral e religioso nem treinados em ação política. Como é evidente, é a falta destas últimas que torna o pacote quinhentista vantajoso em termos de produtividade eclesiástica.

Este pacote de vantagens, bem como a ajuda do Espírito Santo, permitiram-lhes obter uma produtividade incrível. Por um lado o número de sacerdotes foi sempre muito baixo: dois ou três até 1562, para uma população que rondaria dos quinze aos vinte milhões, menos de dez até 1573, menos de 30 até 1583 e menos de 50 daí até ao fim do século. Apesar do número de srs. padres ter sido sempre reduzissímo, a sua produtividade foi enorme: conseguiram criar uma forte comunidade que, em duas gerações, passou de zero, em 1549, para mais de 300,000 fiéis em 1600: cerca de 6.000 em 1562, um pouco mais de 30.000 por volta de 1573, e mais de 120.000 cerca de 1583.

Um proselitismo fantástico: numericamente sem dúvida, mas não teria sido à custa da qualidade do rebanho? Não, a julgar pelo número de santos produzidos: nenhum país ou região produziu, em dois mil anos de história eclesiástica, tantos canonizados num período tão curto (menos de 100 anos) em que durou a primeira fase da Igreja no Japão (1549—1640). Que muitas ovelhas deste rebanho se vieram a revelar cabritos, não há que duvidar. Mas tal como relatos antigos atestam e romances modernos imaginam, uma enorme porção destes cristãos, quase sem padres, revelaram uma fé à prova de todos os tipos de tormentas e tormentos.

A explicação de um nível de produtividade tão elevado nos Recursos Humanos (RH) eclesiais no Japão durante este período histórico é assunto para outra ocasião. Aqui convirá, no entanto, fazer uma pausa para refletir se será legitimo atirar tantos números à cara do pio e mui espiritual leitor, seja números de crentes, seja de canonizações, seja de srs. padres: os números são para gestores e pessoas de negócios, vis materialistas agarrados às coisas e às métricas deste mundo, que eles embevecidos denominam de KPIs, mas há muita boa gente que considera não ser apropriado o seu uso por santos clérigos, nem a sua aplicação a assuntos espirituais.

Pensar que Nosso Senhor não se interessa por números é um erro antigo e muito pouco cristão, e que mostra um grande desconhecimento da economia divina: tanto o Antigo como o Novo Testamento estão pejados de cifras, e não somente no livro dos Números. Desde o Génesis ao Apocalipse tudo é contado, calculado e estimado. Jesus jejuou 40 dias e 40 noites (Mt 4, 2), transformou em vinho a água de 6 vasilhas, cada qual com capacidade entre 2 a 3 medidas (Jo 2, 1-10), escolheu 12 homens para apóstolos (Mt 10, 1), curou 2 cegos (Mt 9, 27-31), enviou em missão 72 discípulos (Lc 10, 1), alimentou uma vez 5.000 homens, afora as mulheres e crianças, com 5 pães e 2 peixes, repasto do qual sobraram 12 cestos cheios de comida (Mt 14, 13-21), fez algo de semelhante a 4.000 homens noutra ocasião (Mt 15, 32-35), viu uma viúva ofertar 2 pequenas moedas (Mc 12, 41), foi ungido por Maria de Betânia com um perfume avaliado em 300 denários, esteve sepultado 3 dias e foram mais de 3.000 os que se converteram numa manhã ao ouvir um sermão pouco politicamente-correto de S. Pedro (Act 2, 14-41), isto para já não entrar no verdadeiro ‘Anuário Estatístico’ que é o livro do Apocalipse.

Também nas parábolas de Jesus as virgens eram 10 (Mt 25, 1-13), as ovelhas 100 (Lc 15, 4-7), os talentos em dívida do servo ao rei eram 10.000 (Mt 18, 23-35), os administradores escolhidos 3, e vai-se ainda ao ponto de apresentar o Relatório e Contas de quanto cada um ganhou ou não ganhou (Mt 25, 14-30). Até os figos (0, Mt 21, 19), os peixes (153, Jo 21, 11) e os porcos (2000, Mc 5, 13) são cuidadosamente contados ou estimados. É preciso usar óculos especiais para ler as sagradas escrituras sem ver números.

Espíritos são números, miríades de miríades deles. Até Adonai é Um na sua essência, que é ∞, se bem que em três pessoas divinas. Aliás são os materialistas e incréus que associam à sua falta de fé uma capacidade incrível de lidar incorretamente com números, como prova a identidade errónea que deduzem do mistério trinitário ser equivalente a 3=1, confundindo e equacionando alhos com bugalhos (salvo seja!), neste caso confundindo e equacionando ‘essência’ com ‘pessoa’. Na mente de Deus tudo está contado, medido e pesado sem erros nem enganos.

A santa e heroica cristandade japonesa, convertida de um sistema religioso animista muito semelhante ao que se encontra na Amazónia, era pois constituída por cristãos quase sem srs. padres, uma vez que a maioria dos fiéis japoneses via quanto muito um sacerdote uma vez num ano, quando não uma vez na vida (e nem sequer uma vez na vida a partir de cerca de 1614). Grande parte do trabalho pastoral, incluindo ensino da sagrada doutrina a cristãos, da catequese a pagãos, a orientação de orações comunitárias, ações caritativas das Misericórdias e confrarias, celebração religiosa de funerais e ministração do batismo em caso de necessidade (que, após 1614, passou a ser sempre), era feito por viri probati, ficando para os srs. padres as atividades core da celebração dos sacramentos da confissão e da eucaristia. Abrindo ao calhas a História de Luís de Frois podemos ler:

“Os christãos de Firando havia 4 annos que se não confessavam, por estar o Pe. Cosme de Torres, que os ouvia no reino de Arima, que era inimigo de Firando, aonde não podião hir, e outros havia que com haver anos erão baptizados, ainda não se tinhão confessado. Vendo o Padre que rezidia em Firando [o Pe. Baltasar da Costa] esta grande necessidade e dezejo que todos tinhão de confissão, trabalhou no estudo da língua quanto pode e hum mez antes do Natal os começou a ouvir. Foi tanto o fervor dos christãos em ver que tinhão já copia de confessor, que todos os dias estava a igreja cheia desde pela menhã athé noite: oito dias punhão em se aparelhar [preparar], e dez ou quinze em esperar que lhes coubesse a hora de os ouvirem. O Padre confessava todo o dia e duas horas da noite[nota 1] aos homens, e recebiam o Santissimo Sacramento com muita devoção e lagrimas.” (Vol. II, pp. 158-159)

É possível que tenha sido o conhecimento deste caso, e de outros semelhantes, que levou Sua Santidade a não aceitar, nas sua exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazónia, a proposta feita no n.º 111 do Documento Final do Sínodo de “estabelecer critérios e disposições por parte da autoridade competente, no âmbito da Lumen Gentium 26, para ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterato, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã mediante a pregação da Palavra e a celebração dos Sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica.”

O que é estranho é que ainda haja, nos tempos que correm, quem proponha aumentar a capacidade produtiva não através de (B) mais dedicação, nem de (C) maior produtividade, nem sequer de uma (A) mais seletiva seleção e rigoroso treino (duas alavancas fundamentais para o aumento da produtividade) de srs. padres, mas antes por meio da (A’) “flexibilização” dos critérios de admissão de RH para o quadro. Quando, no estado, se (B) diminui as horas de trabalho e não se (C) aumenta a produtividade para deste modo se poder (A) contratar mais amigalhaços, a isso chama-se ‘clientelismo’. Na Igreja não se chamará a isso ‘clericalismo’?

José Miguel Pinto dos Santos

U avtor, tal coumu u Pe. Luís Fróis, não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue como qver & lhe apetece.

[Nota 1] A duração do dia solar nessa época do ano em Hirado (Finrado) é de cerca de 10 horas. Confessando o dia todo e 2 horas à noite, o sr. padre Baltasar da Costa passaria 12 horas por dia no confessionário (a não ser que as ‘horas’ acima referidas se referissem à unidade temporal japonesa então em uso, caso que o sr. padre estaria cerca de 14 horas e 40 minutos do santo dia a ouvir confissões), sendo que depois ainda teria que arranjar tempo para dizer a Santa Missa. Pergunta: se o sr. padre confessava os homens à noite, a quem confessaria ele durante o dia?