Inevitavelmente sofremos. Ousaria afirmar que sofrer é viver, eu não sofria antes de nascer e não sei se sofrerei depois. Mas viver também são alegrias, são amores, é mar e flores de primavera.
Entretanto nos dias atuais o sofrimento tem uma conotação negativa e fatalista, como se o sofrer devesse ser eliminado da existência humana ou se a vida fizesse sentido em si mesma sem a existência do sofrimento. Algo que é concedido a apenas a alguns poucos e fracos.
Infelizmente, a rejeição do sofrimento já tomou parte do movimento pró-aborto como uma das justificativas para matar uma criança ainda no ventre materno. Edwin Black, biografo da célebre feminista de segunda onda Margaret Sanger, escreve-nos acerca do ativismo ideologicamente cego da mesma:
“Margaret Sanger se opunha vigorosamente aos esforços caridosos para sustentar os oprimidos e os excluídos, e argumentava amplamente que era melhor que os famintos e os que sentiam frio fossem deixados, sem qualquer ajuda, para que as linhagens eugenicamente superiores pudessem se multiplicar sem a competição dos “incapazes”1.
Em uma sociedade onde reina o mediatismo os sentimentos causados pelo sofrimento (dor, desolação, angústia, falta de autoconfiança) são vistos como descartáveis e prejudiciais. Mas, quem disse que esses sentimentos são necessariamente ruins? Segundo o filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), sofrer significa muito mais do que isso. O sofrimento, na filosofia nietzscheana, ao contrário da opinião popular, é algo vantajoso na vida
“Aquilo que não causa minha morte, torna-me mais forte”. Esta citação resume bem a visão de Nietzsche sobre o sofrimento.
Negar a vida a uma criança somente pela perceção negativa das crises de sofrimento é ignorar que a dor e o sofrimento faz parte do ser humano, e possibilita a aprendizagem. A negação dessa visão positiva da crise (sofrimento ou dor) não é só uma negação em si mesma, mas é uma negação às possibilidades da vida que surgem desses momentos.
Viver são crises de sofrimento e arrebatamentos de alegria.
Para que possamos nos consolidar, nos tornar realmente alguém, é necessário que passemos por momentos de instabilidade. E quem não passa por estes momentos está pulando uma etapa, a do aprendizado e fortalecimento para sustentar a posição e as convicções que irá adquirir depois.
Compete-nos libertar a nossa sociedade materialista da idealização romântica da vida, se o egoísmo produz um efeito destrutivo sobre o desenvolvimento da sociedade, o altruísmo evoca o que de melhor existe no ser humano para viver em comunidade.
O sofrimento humano só se torna intolerável quando ninguém cuida, a humanidade é uma família, é dever de cada um preocupar-se com o bem comum e com a felicidade coletiva.
“O aborto não é, como dizem, simplesmente um assassinato. É um roubo… Nem pode haver roubo maior. Porque, ao malogrado nascituro, rouba-se-lhe este mundo, o céu, as estrelas, o universo, tudo. O aborto é o roubo infinito”.2
1 (Sanger, Pivot of Civilization, p. 104, 108–109, 113–117, 120–121 e 123, apud Edwin Black, obra citada, p. 223).
2 Mario Quintana , Caderno H. Globo Livros. 2006.
