Tal como o grupo “Porta dos Fundos”, o “Polígrafo” aproveitou a época natalícia para dar uma alfinetada nos cristãos. Mais subtil do que retratar Jesus como gay, decidiu dissecar e atacar o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson.
O “Polígrafo”, além do “fact-check”, dedica-se agora ao “Cine-Check”. É irónico: tantas vezes acusado de narrar a sua versão dos factos, o “Polígrafo” decidiu analisar o grau de veracidade de obras cinematográficas ficcionais.
Um exemplo: “Apocalypse Now”, uma das obras-primas do cinema, foi classificado como “impreciso”, por se ter afastado de uma “abordagem realista da guerra e em particular da Guerra do Vietname”. Neste ponto, o “Polígrafo” está certíssimo: Francis Ford Coppola não produziu um documentário, mas um filme ficcional, grandioso como uma peça de ópera. A ópera, tal como o cinema, é uma paixão dos Coppola: o tio de Francis, Anton, é um maestro centenário e a sua filha Sofia, também realizadora, encenou “La Traviata” (Richard Wagner, por seu turno, se fosse contemporâneo de Francis Ford, seria conhecido como “o gajo que compôs aquela música das Valquírias que o Coppola usou na cena dos helicópteros”).
Sendo Natal, era expectável que a análise de tão douto jornalismo recaísse sobre “Sozinho em Casa”. Mas o “Polígrafo” decidiu repescar um filme de Semana Santa e aquecer no micro-ondas as acusações da época do lançamento (2004): um filme anti-semítico e desnecessariamente violento. E, claro, “impreciso”
“Segundo o “Polígrafo” é “um filme tão violento nas imagens como nas imprecisões históricas: em várias ocasiões, Mel Gibson optou por não deixar que a verdade lhe atrapalhasse uma boa narrativa”.
É um filme brutalmente violento, mas não desnecessariamente violento. Jesus Cristo sofreu brutalmente na sua carne. Sofreu com feridas e dores que o deixaram desfigurado e morreu agonizando numa cruz. Como escreveu o profeta Isaias: ”Vimo-lo sem aspecto atraente, desprezado e abandonado pelos homens, como alguém cheio de dores…”.
Na opinião do falecido crítico Roger Ebert, Mel Gibson pretendeu que ficasse bem visível o preço que Cristo pagou pelos pecados da Humanidade, como acreditam os cristãos: “Não é um sermão, uma homilia, mas uma visualização do acontecimento central da religião cristã. Take it or leave it”.
Desde essa altura, os seguidores de Cristo ficaram sujeitos à mesma violência brutal. Os cristãos sempre foram perseguidos e mortos exclusivamente pelo simples facto de serem cristãos. O presidente da Fundação Pontifícia “Ajuda à Igreja que Sofre” afirmou que “2019 foi um ano de mártires, um dos anos mais sangrentos da história para os cristãos”. Um ano que terminou com cristãos a serem executados na Nigéria, para assinalar o Natal. Vamos a um “fact check”, “Polígrafo”?
O realizador tomou liberdades criativas, como qualquer artista. Por exemplo, o diabo surge em ocasiões não relatadas na Bíblia e é uma presença andrógina. Seria de esperar, nos tempos que correm, que tal opção fosse valorizada…
Anti-semítico? Benévolo com Pilatos? Ou talvez tenha sido levada em consideração esta passagem do terceiro Capítulo dos Actos dos Apóstolos: “O Deus de Abraão, de Isaac e Jacob, o Deus dos nossos pais, glorificou o seu servo Jesus, que vós entregastes e negastes na presença de Pilatos, estando ele resolvido a libertá-lo. Negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino”
Sendo uma obra de arte, não é imune a críticas. Pode-se discutir se o argumento não deveria ter seguido uma direcção menos propensa a polémicas, ou com menos violência. O que não se pode é retirar o valor artístico a um filme realizado com mestria, falado em aramaico e latim, com uma fotografia inspirada no “chiaroescuro” de Caravaggio e com excelentes (e desconhecidos) actores.
Assim como se pode questionar se lançar uma critica deste género, em época de Natal, não é mais uma forma de perseguição cultural aos cristãos. Seria mais adequado verificar se as armadilhas do Kevin, o personagem central de “Sozinho em Casa”, funcionam.
Mas, uma vez que o “Polígrafo” prefere histórias reais, talvez o “Cine-Check” pudesse analisar “Unplanned”, a história real da abortista Abby Johnson. O filme foi um grandes êxitos de 2019, apesar de boicotado um pouco por todo o lado por distribuidoras e comunicação social.
Como o “Polígrafo” admitiu, as mortes por aborto, em 2018 devem ter ultrapassado os 50 milhões. Foi a principal causa de morte. Há um só um pequeno detalhe: “a OMS não reconhece o aborto como causa de morte. Aliás, nenhum organismo mundial de referência na área da saúde pública o faz – o que nos lança para o eterno debate sobre quando começa a vida, que marcou, por exemplo, a discussão em Portugal aquando do referendo sobre o aborto. A designação do aborto como causa de morte é, como tal, uma escolha política, fundamentalmente baseada na crença de que a vida humana começa no momento da concepção…”.
O momento em que a vida humana começa é uma escolha política? Para esclarecer dúvidas, recomendo vivamente a série “Era Uma Vez O Corpo Humano”, disponível em português no Youtube.
O aborto mata, mas não pode ser considerado uma causa de morte?! Afinal, quem opta por não deixar a verdade estragar um boa narrativa?…