Enquanto o mundo comentava acaloradamente o documentário “Francesco”, sobre o atual Papa, e as declarações relativas à união civil de homossexuais, a Igreja Católica celebrava mais uma vez, no dia 22 de Outubro, São João Paulo II. 

Karol Wojtyla, João Paulo II, O Grande, foi um gigante do século passado, um verdadeiro pastor de povos, que impressionava católicos e não católicos.  

Muito se escreveu sobre ele. Entre os que o fizeram, conta-se o seu secretário e amigo de décadas, Cardeal  Stanisław Dziwisz. As memórias do cardeal polaco foram transformadas em filme, dando origem ao documentário “Testemunho”. O filme, disponível no Youtube, combina a narração do ator britânico Michael York com uma entrevista ao Cardeal Dziwisz, com imagens de arquivo e com reconstituições de eventos históricos. 

É uma oportunidade de rever e de reviver os acontecimentos que marcaram o último quartel do século XX, nos quais o Papa João Paulo II tomou parte. Antes das primeiras pancadas no Muro de Berlim começarem a soar, em 1989, já Karol Woktyla e os polacos abalavam as estruturas comunistas. 

Nowa Huta fica para a história como um marco dessa luta e da têmpera de João Paulo II e dos polacos. Nowa Huta foi um subúrbio criado em Cracóvia, cidade marcada por uma universidade com 600 anos e pelo catolicismo. A intenção do regime comunista era instalar um “paraíso dos trabalhadores” que funcionasse como “força progressista” numa cidade vista como “burguesa” e “reacionária”. 

Construída nos anos 50, segundo a estética realista socialista e albergando os trabalhadores da Siderurgia Lénine,  Nowa Huta (“Nova Siderurgia”) era, na prática, um exercício de engenharia social. Símbolo imponente da planificação soviética, foi pensada para ser uma cidade sem Deus, sem uma única igreja. Afinal, espera-se que o homem socialista não acredite em Deus (nota: nesse caso, o que faz Ferro Rodrigues com uma t-shirt da Jornadas Mundiais da Juventude? Não é jovem, nem católico. Não poderia somente ter emitido uma enfadonha declaração oficial a apoiar a realização das JMJ em Lisboa, enquanto presidente da Assembleia da República?). 

Em vez de produzir homens que desistissem do catolicismo depois de serem forçados a caminhar mais de duas horas para encontrar uma igreja, Nowa Huta transformou-se num foco de luta patriótica e de resistência. Uma cruz de madeira foi colocada no local, substituída sempre que era retirada pelas autoridades comunistas. O então bispo de Cracóvia, Karol Wojtyla, começou a celebrar a Missa do Galo ao ar livre, com temperaturas negativas. Em 1967, chegou a autorização para construir a igreja, acompanhada por todo o tipo de obstáculos burocráticos. Em 1977, a igreja “Nossa Senhora Rainha da Polónia” foi finalmente concluída. 

Ironia do destino: foi em Nowa Huta que as multidões se manifestaram em defesa do “Solidariedade”. A arquitetura da cidade, concebida para dificultar uma invasão da NATO, tornou difícil o controlo dos manifestantes por parte da polícia… 

João Paulo II, os polacos e a sua resistência à ideologia comunista constituem um farol, nos confusos tempos que vivemos, em que as medidas destinadas a combater a presente pandemia afetam gravemente a vivência da fé. O vírus existe e devem ser tomadas precauções e medidas. Mas pode-se argumentar com seriedade que as medidas adotadas pelo governo no dia 22 de Outubro, precisamente no dia da festa litúrgica de São João Paulo II, lesam uma vez mais os católicos.  

Viajar e rezar pelos mortos? Não pode ser! Ir ao Algarve ver F1 sem distanciamento? Ok. O vírus não se transmite a alta velocidade. 

Os ajuntamentos familiares são um foco de transmissão! Em contrapartida, sabe-se, cientificamente, que o vírus evita transportes públicos apinhados, por uma questão de comodidade. 

A ironia podia continuar sem dificuldade. Mas a situação dispensa piadas fáceis. 

João Paulo II foi um homem íntegro e corajoso, sustentado por uma fé capaz de mover montanhas. Ou, no caso dele, de destruir um muro e derrubar um sistema ateísta. Não recuou perante as dificuldades. Nem os católicos portugueses o deviam fazer. 

Seria hoje chamado de “populista”. Porque amou o povo, esteve sempre ao lado do povo e era o primeiro a dar o corpo às balas. O que aconteceu, literalmente, como sabemos. 

Aborto? Deixou clara a posição da Igreja, sabendo que o aborto é, invariavelmente, a primeira peça de um dominó de mudanças que ferem a dignidade humana (no mesmo dia 22 de Outubro de 2020, o Tribunal Constitucional polaco decidiu que o aborto em casos de malformação do feto é inconstitucional) 

Eutanásia? Acima de tudo, João Paulo II deu uma resposta com a sua vida, até ao comovente momento em que, não obstante todo o seu esforço, foi incapaz de pronunciar uma palavra. 

Políticos que se afirmam como católicos, com responsabilidades na condução dos jovens, a implantar a Ideologia de Género em Portugal? A falta que faz um João Paulo II, que admoestou publicamente, na Nicarágua, o Padre Ernesto Cardenal, defensor da Teologia da Libertação e ativista político, tendo-o suspendido (suspensão que terminou há quase de dois anos, por decisão da Papa Francisco). 

“Não tenhais medo! Com esta famosa frase, iniciou o seu pontificado e continua, através do tempo a exortar católicos e homens de boa-vontade a agirem de acordo com a sua consciência e a sua fé. 

Nuno Capucha