Não tenho bola de cristal e pouco sei de astrologia, mas no rescaldo das eleições legislativas do passado Outubro fiz uma previsão que parecia adivinhar toda esta embrulhada em que o LIVRE se meteu, e sobre a qual convém fazer um balanço. Recordemos, então, o que disse no último artigo: “No dia em que Joacine quebrar uma só linha ideológica ou estratégica do seu movimento, e sobreviver, aqui estarei para pedir perdão por ter desvalorizado a sua capacidade meritória e retirar tudo o que disse. Mas, não me parece que tal irá acontecer. Ela tem dono, tem chefe, a sua sobrevivência política consiste em obedecer.”
Reparemos que não falo em partido, mas em movimento. Neste caso, tanto o partido LIVRE como o seu dono oficial, Rui Tavares, e a (ainda) sua deputada, Joacine, fazem parte do vasto e poderoso movimento internacional da Nova Esquerda. Ora, terá Joacine traído alguma linha ideológica ou estratégica desse movimento? Serei eu, consequentemente, obrigado a pedir-lhe perdão e a reconhecer-lhe os devidos méritos?
No âmbito ideológico, ainda não a vimos a desviar-se minimamente de uma só crença do progressismo que une (pelo menos) o LIVRE, o BE e a esquerda do PS. Por exemplo, imaginemos… nunca a ouvimos dizer que – apesar de concordar a 100% com a emergência climática, a opressão do patriarcado e do “racismo estrutural” e toda a cassete da esquerda caviar – tem certas relutâncias quanto ao Islão ser a “religião da paz”, já que o islamismo lhe parece mais violento que o cristianismo.
No plano estratégico, tão-pouco alguma vez dirá que é necessário dar apoio a homossexuais que não se identifiquem com o movimento LGBT, ou que devia haver várias “comunidades” (i.e., sindicatos sexuais) separados pelas diferentes categorias do “lumpemproletariado de género”, sem colocar necessariamente gays e trans na mesma panela sindical. Por fim, menos ainda a veremos, algum dia, a opor-se à própria instrumentalização estratégica do lúmpen, alegando que, historicamente, ela é típica do fascismo que pretendem combater.
Deste modo, Joacine continua tão fiel ao movimento quanto antes. Sendo que a sua única desobediência, a ter havido, terá sido exclusivamente em relação ao partido. Segundo ela, e a meu ver com razão, o LIVRE terá explorado a mediatização das suas peculiariedades “politicamente correctas” (ser mulher, negra e gaga) para chegar à representação parlamentar e correspondente subvenção partidária; tratando, agora, de a descartar, para evitar vergonhas alheias (https://sol.sapo.pt/artigo/683661/rui-tavares-sentiu-vergonha-alheia-durante-discurso-de-joacine), reconquistar o seu ‘core target’ e chegar a outras franjas do eleitorado.
O próprio Rui Tavares abandonou o Bloco, aparentemente com grandes divergências (alegando, curiosamente, a “caça ao independente”, a mesma que faz agora com a Joacine); mas sem jamais desobedecer (por nada deste mundo) ao mais pequenino dos mandamentos, preceitos e decretos da “religião” que lhes é comum. Se o fizesse agora, seria certamente recambiado da Universidade de Massachusetts – onde parece que irá dar aulas – mais depressa que um imigrante ilegal. Todavia, não deixa de ser politicamente pertinente o facto de ter aceitado este emprego numa altura de crise no partido: para um gramsciano da Nova Esquerda, dar aulas é um acto político tão necessário quanto dirigir um partido ou escrever artigos no Público.
Mesmo assim, e como hoje acordei com magnanimidade, vou considerar a desobediência de Joacine ao LIVRE como uma prova de mérito. Até porque tem sobrevivido. Posso até dizer que, entre Joacine e Tavares, estou completamente do lado dela; nem que seja porque a gaguez intelectual desse arrivista branquelas é por demais evidente. Roubando a expressão a Grouxo Marx: “Ele parece gago, porta-se como um gago. Mas não se deixem enganar: ele é mesmo gago!”. Trata-se, efectivamente, de uma máquina de bolsar clichés políticos, entre os quais o das primárias abertas que o levaram a perder o controle do partido. Porém, enquanto ninguém inventar um software gerador de ‘ideias políticas cool’, (para as quais o QI é irrelevante, já que somente interessa o glamour e o bluff), o Rui Miguel terá emprego, tanto aqui como lá fora, por mais que a sua mente gagueje.
Katar Moreira, não. Ela é diferente, bem mais autêntica. Assim como Mamadou Ba é autêntico. Não se preocupam em esconder a sua estratégia revolucionária e têm um exército a seu lado para “manifestações pacíficas”; não ao jeito espontâneo de meia-dúzia de coletes amarelos (versão tuga), mas pela sua rede organizada de ONGs ditas anti-racistas e de “apoio a imigrantes”, e seus simpatizantes antifas e redskins – grupos extremistas de esquerda em pele de justiceiros sociais. Tudo isto sem qualquer violência, dizem eles, até ao dia em que a palavra de ordem for “dar porrada” (nos termos de Ba). Isto sim, é política. Extremista, não há dúvida, mas sem ponta de bluff. E com futuro. Pois, a realidade é soberana e, tal como o capitalismo (no seu bom sentido), premeia o que é autêntico, real, palpável.
Apesar de tudo, e como tenho dito, qualquer destes agentes continua, à mesma, vetado à obediência da Nova Esquerda internacional e suas redes, bem como ao Socialismo Oligárquico que as financia – seja por meios públicos ou por oligopólios, seja por bilionários e respetivas instituições de ‘active measures’, como a Open Society Foundations de George Soros. No entanto, caso Joacine veja em Mamadou um novo chefe, quiçá ambos possam vir a ter um feudo promissor em Portugal. Sobretudo, atendendo ao facto de que, ainda há poucos meses, também o dirigente do SOS Racismo entrou em colisão com o seu partido, o Bloco de Esquerda (do qual, aliás, saiu).
Naturalmente, por trás de todo este aproveitamento político, existem problemas de fundo que pouco ou nada têm a ver com racismo, ou opressão da maioria sobre as minorias. Mas com miséria e falta de oportunidades. E quanto a isso, não tenho, infelizmente, qualquer solução pessoal a dar. O máximo que posso fazer é sugerir a receita que está na raiz do desenvolvimento ocidental, e que é a mesma desde o fim da Idade Média e o Renascimento do Século XII: Diminuir a heteronomia dos súbditos face aos Senhores (que, nos dias de hoje, são o Estado e Oligopólios); suscitando, assim, mais poder, autonomia e capacidade de iniciativa do povo, para que possa gerar a sua própria riqueza e, talvez um dia, transformar os seus “guettos” em “burgos” economicamente viáveis. Claro está, porém, que num país, ou melhor, numa Europa oligárquico-socialista em que, daqui a nada, até os tuk tuks pertencerão à Google, o único que se prevê a curto/médio prazo é o aumento das tais “manifestações pacíficas”. Até deixarem de o ser.