Quando me perguntam se os Húngaros me tratam com respeito, podia, sem grandes rodeios ou laivos de retórica, responder que “há duns e doutros”. Tal resposta, porém, peca pela palidez das palavras e pelo fraco cunho pessoal, apenas dela me socorrendo nas alturas em que me quero ver livre o quanto antes dos meus interlocutores. Se porventura logro uma resposta elaborada, digo que o racismo – sendo mais preciso, a sobranceria identitária – não me é um fenómeno novo, remontando aos tempos em que carregava em Lisboa a cruz de ter nascido no Barreiro; onde, de resto, uma vez regressado, outra cruz, com o formato de foice e martelo, me impunha idêntica condição.

Voltando a Budapeste e tentando desenvolver a simplista resposta “há duns e doutros”. Numa primeira análise, quiçá se apresentasse provável esperar dos globalistas o papel de compinchas e dos chamados nacionalistas os de maus-da-fita. Começamos por estes últimos, dado o seu comportamento não apresentar grandes relevâncias e se poder resumir num par de frases. Existem alguns nacionalistas, burros como uma porta, que simplesmente não falam línguas estrangeiras. À falta de idioma comum, aliada à pouca vontade de entendimento com o outro, ignoram-me. Ótimo. Detesto percas de tempo e desperdício de toda a espécie. Outros, a maioria diga-se, não obstante morrerem de amores pelo mundo magiar, tendem a tomar a dianteira em mudar o idioma do diálogo de Húngaro para Inglês, permitindo que eu possa participar plenamente na conversa e não me ficar pelo papel de espetador (hoje em dia, nem isso; uma pessoa limita-se a mudar de canal com o telemóvel em menos dum minuto).

O mesmo – segundo caso, claro – seria coerente com os globalistas e a sua agenda de países de porta aberta e fim de fronteiras como solução para todos os males deste século. Não tem sido assim comigo, nem com os meus amigos, turbe maioritariamente constituída por rapazes, judaico-cristãos e hétero. Talvez devêssemos ter a pele mais tisnada, estender um nadinha a nossa sexualidade a essa neo-orientação designada de heteroflexível e, se possível, agradecer a Alá qualquer coisinha, cinco vezes ao dia. Providos destas caraterísticas, preferencialmente todas, o pacote inteiro, receberíamos a honesta empatia dos globalistas que, entre os “duns e doutros”, doravante, passarei a chamar “doutros”.

Lembro-me de, no Verão passado, num Domingo ou num dia que se quer sossegado, ter ido a um almoço com a dita corja e ter acabado a um canto, qual leproso. Desde o começo, o almoço cheirou-me a esturro. Refiro-me ao ambiente. A comidinha, essa, prometia. A cozinheira, que acumulava funções com organizadora do evento, é meio-afamada na cidade pelo talento culinário (A propósito, ainda se pode dizer que uma mulher é boa na cozinha, sem que nos chamem de machista?) e por ter preparado refeições para os refugiados & infiltrados que, há um par de anos, inundaram a estação de Keleti. Os néscios, apesar das advertências supracitadas, creem que a criatura fez trinta por uma linha para me fazer sentir em casa. Nada. Nem uma palavra de Inglês, not at all. Sabendo que a senhora tinha origens Transilvanas e era fluente em Romeno, ainda referi que lhe poderia dirigir a palavra em Castelhano enquanto ela me responderia no seu Latim. Nada, niente, também esta ponte inclusivista caiu por terra. Havia também um casal que podia competir com o Macron e respetiva Madam na diferença de idades. O tipo, nos seus vintes, tinha uma cara de Cuck que dava vómitos (vomitar seria uma lástima, pois a comida da Transilvana confirmou-se boa a valer). A esposa, quase com cinquenta anos no pelo, no início, interessou-se sobremaneira por mim, até ao momento em que tive a afronta de afirmar o meu apreço pelo quotidiano em Budapeste e não me apoquentar nadinha com a presente situação política na Hungria.

Este é apenas um exemplo entre tantos, em que os “duns” foram mais inclusivistas do que os “doutros”. Dir-se-ia que os que apregoam inclusivismo apenas o aplicam quando o de fora se enquadra numas certas fileiras, discriminando com um critério e seleção que não ficam nada a dever à verdadeira direita supremacista, dando as boas-vindas ao migrante que coincida com o perfil que dizem ser objeto de ódio do governo Húngaro, numa pura pirraça de autêntico adolescente (Existe algo mais abjeto do que um adolescente fora do prazo?).

Um último exemplo, também este empírico, por estas crónicas almejarem nutrirem-se do material do dia-a-dia. Tenho duas vizinhas do lado. Uma é claramente progressista, vive com o namorado (uma espécie de irmão mais velho do cuck do almoço) e tem um par de autocolantes “(Viva Buda Libre”, etc) na porta de casa, a mostrar ao mundo o que pensa e que lhe passa na cabeça. A outra não tem cara de quem se interessa por política, sendo os parlamentos dela obviamente outros, e faz cross-fit no tempo livre. Há um par de semanas atrás, um amigo veio cá a casa ajudar-me (embora eu tenha acabado eu, dada a minha inata inaptidão para ferramentas e afins, a ajudá-lo) a montar um armário. Faltavam-nos (faltava-lhe) um martelo e uma chave de fendas e, verdade seja dita, a vizinha progressista até as emprestou, passando-as pela porta entreaberta, com um misto de nojo e medo do Andaluz que, de tronco nu, a transpirar como um cerdo, berrava atrás de mim:“Pidele el martillo, venga ya!”. Tivéssemos encontrado a vizinha do cross-fit em casa e tenho a certeza que ela não só me abriria a porta sem medo nem nojo e emprestaria as ferramentas de bom grado, como acabaríamos os três, em alegre cavaqueira, a montar o armário. Ou talvez assim o pense por, no dia em que me mudei para este apartamento, ao ver-me com malas a mais para as minhas mãos, a boa da vizinha pegou numa delas (malas, leia-se) e trouxe-a até ao terceiro andar. Ou talvez assim o pense por me agradar a ideia de que há um click entre nós e muito me gostaria de o provar ao leitor no futuro, não com malas mas com fatos na mão, sem que me pudessem acusar de fake news (Ok, talvez alguém me acusasse de tóxica masculinidade, mas com isso posso eu bem).

Vítor Vicente