Ao dar conta que desço do autocarro na paragem errada, com tempo de sobra para chegar a tempo e horas ao evento, dou graças ao Yossi, meu saudoso professor de Hebraico por, mais do que um outro alfabeto, me ter ensinado a planear todo e qualquer trajeto, incluindo as mini-viagens do dia-a-dia, de modo a estar no ponto de encontro com um quarto de hora de antecedência, assim como à BKK, empresa de transportes públicos de Budapeste, detentora duma excelente rede de conexões urbanas, capazes de mover o cidadão com a destreza e velocidade da rainha no tabuleiro de xadrez.

Uma vez no elétrico, tenho a certeza de ter tomado a direção correta (Existe algo mais reconfortante que um desenvolto e apurado sentido de orientação, o reconhecimento dum rumo?). Um dos voluntários dos jogos Maccabi pergunta aos regozijados passageiros, facilmente reconhecíveis por ostentarem o respetivo bilhete nas mãos, pelas suas nacionalidades. Com uma paciência que me surpreende, aguardo que todos respondam. Com uma vaidade que me pasma, atrás do grupo, grito “Portugal”. Talvez a Diáspora Judia explique o meu súbito bem-estar, a ideia de que toda a gente representa algo diferente, subordinado a uma identidade comum. Talvez a Diáspora Judia pudesse servir de lição a uns tantos mundanos agrupamentos, mais interessados em desfazer dissemelhanças em prol da samaritana diversidade, do que em estimular o contributo de cada indivíduo e assinalar a tremenda transcendência que os une e atravessa.

Falando em forças. À porta do estádio do MTK, o clube Judaico por excelência em terras Magiares, estão dezenas de agentes da polícia. Perante tamanho aparato, tal como em aeroportos ou à porta de sinagogas, um misto de sentimentos avassala-me a alma. Por um lado, agradeço a sua presença, reconhecendo a importância, necessidade, etc. Por outro, enfurecem-me as despesas, doendo-me cada centavo, lembrando-me que se poderiam aplicar estes fundos num mundo melhor, não vivêssemos nós num tempo que se pauta por tudo, menos pela paz. (Daí, já lá dizia a Torah, ainda aguardarmos a vinda do Messias).

Sobrepõe-se a este misto difuso de sentimentos, o alívio por viver nesta parte da Europa (porventura, no que de Europa à Europa resta) onde o Anti-Semitismo esquerdista praticamente é inexistente. Não há cá bandeiras da Palestina, nem megafones a denunciar Apartheids faz-de-conta. Na Hungria não abundam agentes de Soros, sementes do que esta nação (Baruch Hashem) nunca será.

Os Judeus Húngaros deviam dar vivas ao seu governo por organizar um evento desta envergadura. Como pela total tranquilidade e à-vontade em poder caminhar de kipá, sem levar um calduço, sem qualquer sombra de ameaça. Ou pela possibilidade de participar num Shabbat ou cerimónias religiosas afins, sem passar por um interrogatório tão longo quanto as barbas do Rabino. Ou por, a cada esquina, se encontrar uma Shul renovada ou a ser renovada com dinheiro público, sem uma única doação da Open Society Foundations, mais interessada em branquear todo e qualquer ataque contra Judeus por Radicais Islâmicos, abrindo apenas a boca quando os autores são alegadamente simpatizantes de ideologias de extrema-direita.

Voltando à cerimónia que dá corpo a esta crónica, sem deixar de referir o governo Húngaro. Entre os ilustres convidados, contava-se o presidente János Áder, cujo discurso destacou a primeira medalha obtida por uma atleta Húngaro nas Olimpíadas, o judeu Alfréd Hajós. Como é possível conciliar a menção honrosa com o pretenso ódio aos Judeus? Não será essa antes a máxima em Estrasburgo (cidade que, dado o caráter institucionalista e por França se parecer cada vez menos a si própria, não diria Francesa), onde, há um par de semanas atrás, os adeptos do Maccabi Haifa foram proibidos de erguer a bandeira Israelita, com a desculpa esfarrapada de que um símbolo religioso poderia ofender o inclusivismo? (Não representará esse episódio, o óbito do direito à identidade?)

Continuando, e concluindo, com a cerimónia, liderada por um senhor bem-apessoado e uma senhora vestida de vermelho dos pés à cabeça, saltos altos incluídos. Bilingue, respeitando os organizadores e acolhendo os visitantes, como se querem as regras corteses da casa. No relvado, desfilavam os atletas, eufóricos por representarem as suas nações, lado a lado com primos e relativos. Nas bancadas, os apoiantes, cada um com as suas cores, compartiam abraços e afinidades, comes e bebes.

O único reparo vai para a equipa de catering. A quem ocorreu a brilhante ideia de alimentar a malta com sandes de fiambre e cachorros? Não o digo por uma questão de consonância para com o Kosher, mais pela falta de dedo para o negócio. Para a próxima (se o FINA se repete em Budapeste, por que não os jogos Maccabi?) deixem os Judeus tomar conta da cozinha. Mas depois não se queixem que os ditos tomaram conta da casa inteira, ok?

Vítor Vicente