O conceito de ‘estado de emergência’ faz alusão a determinadas circunstâncias que o justifiquem, especificamente quanto ao que se vive em Portugal, trata-se de uma excepcional calamidade pública, em que o Estado se vê em uma necessidade de suspender determinados direitos fundamentais dos cidadãos com o objetivo de regularizar a situação do país. Note-se que era exatamente o que dizia o primeiro Decreto de estado de emergência, em um longínquo 18 de março de 2020. É possível entender que, no início desta calamidade pública mundial pouco se sabia, poucas respostas poderiam ser dadas, de onde se entende a precipitação em suspender direitos fundamentais como ir e vir, realização de atividades económicas e laborais, tendo em vista a necessidade de se combater uma ameaça invisível e que muito pouco se conhecia. 

A Lei nº 44/86 de 30 de setembro regula os parâmetros para o Estado de Emergência, atribuindo-lhe, de facto, um prazo de quinze dias, prorrogáveis por igual tempo, quantas vezes se fizerem necessárias para controlar a calamidade que acomete o país. Evidentemente, supõe-se que uma medida drástica como esta, deva ser utilizada quando de sua total essencialidade, por período razoável, antes que a falta de liberdade e direitos fundamentais se torne o “novo normal”. E, ainda, que seja o esforço estritamente necessário, assim como eficiente no combate a tal calamidade que o justifica. 

Ocorre que o que se vê em Portugal neste momento é o prolongar-se de um “Estado de Emergência” que nada resolve, apenas fabrica novas calamidades no âmbito de outros direitos fundamentais, como o Direito Fundamental à Liberdade (art. 27° da Constituição Portuguesa); Liberdade de expressão e informação (art. 38°); Direito de deslocação (art. 44°); Segurança no emprego (art. 53°); Direito à saúde (art. 64°); Direito Fundamental ao Ensino (art.74°); Empresas privadas (art. 86°). 

A grande questão é perceber que o Decreto de Estado de Emergência não previne a doença, não a remedia, não faz com que o Serviço Nacional de Saúde tenha estrutura para acompanhar todos os casos, que continuam a aumentar mesmo com tantas medidas de isolamento (o que, aliás, se mostrou ineficaz em diversos países), porém, cria novas demandas à população que acaba convencida da ideia de que a subtração de direitos fundamentais por tempo indeterminado pode salvar outras vidas. E, assim, o inconsciente coletivo aceita perder direitos tão somente com a boa intenção de salvar vidas, recebe uma culpa que não lhe pertence, quando o aumento do número de casos cai na conta do cidadão que precisa trabalhar todos os dias para colocar o alimento à mesa para sua família. 

Portanto, existe a calamidade pública, e o “Estado de Emergência” serve para que medidas efetivas sejam aplicadas, e uma vez que tais medidas não cumpram seu mister, ele torna-se um fim em si mesmo. E, para além disto, cria novas calamidades públicas, atividades económicas que precisam fechar as portas, indivíduos que perdem seus empregos, quebra da economia e aumento da dívida externa do país, doenças psicológicas e físicas que acabam por não receber os devidos cuidados médicos, uma vez que o Sistema de Saúde fica completamente voltado para o combate a uma doença específica, crianças e jovens que não desenvolvem as atividades de ensino como deveriam, e tantas outras questões pessoais e sociais que acabam por suportar todo o impacto, por conta de uma medida que não tem eficácia comprovada. 

É como o próprio texto constitucional diz: “respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.” (art. 19°; 4). O que aqui se questiona não é a necessidade de realizar sacrifícios e abdicação de determinados direitos, o que se questiona mesmo é a razoabilidade, a proporcionalidade e, principalmente, a eficiência dessas restrições impostas. Toda a população quer enfrentar e vencer a calamidade que acomete a todos, porém, faz-se necessária verdadeira preocupação com a vida e todos os direitos fundamentais dos cidadãos. 

Suellen Escariz, Advogada e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra.