A existência de um poder hegemónico que domina a sociedade, coloca em perigo os direitos, liberdades e garantias das pessoas, bem como os fundamentos da democracia representativa e participativa.

Para o evitar, os regimes políticos constitucionais procuraram criar um sistema de pesos e contrapesos ou de checks and balances (controlos e equilíbirios), na terminologia norte-americana. Estes, inspirados no princípio de trias politica da Grécia Antiga (tripartição dos poderes), aprofundado na teoria da separação dos poderes de Montesquieu, no qual se baseia a maioria dos Estados de governo misto, os poderes executivo, legislativo e judicial são concebidos como independentes, autónomos e auto-limitados, embora mantendo as características de um poder uno, indivisível e indelegável.

Pretende-se, deste modo, evitar que o poder seja concentrado nas mãos de uma única pessoa, um grupo de pessoas ou um único órgão. Assim é no regime constitucional português, no qual o poder executivo corresponde ao Governo, que administra a “máquina” do Estado; o poder legislativo à Assembleia da República, na qual é tipicamente realizada a generalidade da produção legislativa e a fiscalização da acção do executivo; e o poder judicial aos Tribunais, que administra a justiça, julgando e aplicando penas.

Reconhecendo a importância e influência dos órgãos de comunicação social na sociedade, vários autores atribuem a esta a designação de “quarto poder”, que funciona como guardião dos propósitos dos cidadãos contra os abusos de poder por parte de qualquer dos três poderes.

Montesquieu, na sua obra “O Espírito das Leis”, vaticina:

«A liberdade política, num cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem sobre a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão.

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.»

Esta arquitectura de organização política, no ordenamento jurídico português, aplica-se de igual modo nas organizações de direito privado, sejam estas associações, fundações ou partidos políticos.

Nestas organizações, o poder executivo reside na Direcção, o poder deliberativo (que decorre do poder legislativo) na Assembleia Geral ou equivalente, e o poder disciplinar (que decorre do poder judicial) e de fiscalização das contas (que decorre do poder legislativo) no Conselho Jurisdicional e no Conselho Fiscal ou equivalentes, respectivamente.

Quando nestas organizações o poder executivo, deliberativo, disciplinar e de fiscalização se encontram concentrado no mesmo grupo, o que ocorre frequentemente, não existe verdadeira liberdade, não há igualdade, nem justiça, nem qualquer fiscalização capaz, pelo que será inevitável verificar-se os maiores desmandos, que, sem qualquer oposição, poderão passar impunes.

«O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente» – Lord Acton (John Dalberg-Acton)

Consciente destas verdades intemporais, o povo, na sua sabedoria, por vezes esquecida, costuma dizer que não se deve “colocar todos os ovos na mesma cesta”. Recomenda, portanto, com toda a prudência, a não entregar todo o poder a uma só parte.

Mário Cunha Reis, Engenheiro e Gestor

O autor não reconhece o AO 1990.

19 de Dezembro de 2019