Não tenho nada contra o CHEGA e até me enerva o anti-cheguismo que parece unir a podridão do sistema, da esquerda à direita (talvez até mais à direita). Este partido tem feito uma leitura interessante e actual sobre o papel do povo enquanto contrapoder, na vida política, nacional e global, no século XXI.

Desde o advento da internet que todos os partidos e movimentos internacionais se deram conta de que a união dos homens comuns, independentemente das suas convicções ideológicas específicas, iria resultar naquilo que podemos designar por uma nova subjectividade política. Ou, numa expressão marxista, um novo sujeito-proletariado. Para Negri, a organização autonomista e consciente do homem comum chama-se Multidão, e ela é o único contrapoder possível no mundo global em que vivemos, dominado pelo metacapitalismo financeiro e sua classe de burocratas, tecnocratas e propagandistas (políticos, académicos, jornalistas, escritores, artistas, celebridades, etc.).

O primeiro grande fenómeno de populismo do século XXI veio do próprio sistema e chamou-se Obama. Só depois transitou para o anti-sistema, com Trump, Bolsonaro e os nacionalismos europeus. Aliás, ao contrário do que se diz por aí, este populismo contagiou até o Papa, na sua recente encíclica. Pois, ainda que ele critique o “nacionalismo fechado”, as suas propostas concretas, no que toca à necessidade de contrapoderes, proactividade do povo e respectiva representatividade, acabam por se revelar bem mais próximas de partidos como o CHEGA do que de qualquer partido do dito sistema.

Deste modo, entre os partidos portugueses, o CHEGA talvez seja o que mais poderá oferecer um contrapoder real e efectivo à opressão de um sistema corrupto e ao globalismo elitista que o domina. No entanto, o que significa este “talvez”? Aqui, o termo não é usado retórica, mas literalmente. Pois, de facto, ainda não o sabemos. E há, sobretudo, uma grande indefinição do que este partido poderá vir a ser. Por um lado, tem um líder carismático e sagaz. Por outro, no seu todo, parece confundir populismo com plebeísmo – a diferença entre os termos está em que o primeiro desperta o povo, faz nascer nele a consciência da necessidade de lutar pelos seus interesses e providencia-lhe organização e representatividade; ao passo que o segundo fica-se pelo amadorismo, o ‘parece-me que’, a conversa de café, o estratagema à chico-esperto e os ganhos políticos de curto-prazo.

Um exemplo típico disto aconteceu há dias, com a proposta do voto obrigatório para todos os portugueses recenseados. A não ser que o partido queira voltar-se para o socialismo de Negri ou Žižek – talvez os seus leitores engulam isso – essa alarvidade não faz mais que afugentar toda e qualquer intelectualidade anti-socialista. Não falo em pedantismo, mas em cidadãos que têm especial gosto por estudar, pesquisar, escrever e, sobretudo, tentar compreender melhor os tempos de hoje, e se identificam como anti-socialistas (ex.: libertários, conservadores, tradicionalistas). Claro está que eles são poucos, mas sempre vão formando opinião e, a longo-prazo, valem bem mais que o seu boletim eleitoral.

Salvo raras excepções – como a Austrália, que recentemente tem sido um péssimo exemplo de autoritarismo, no âmbito do Covid-1984 – basta olhar para o mapa mundi e constatar como o voto compulsório é quase sinónimo de subdesenvolvimento. Além de ter gerado negociatas e compras de votos, esta medida tem sido habitualmente usada por regimes socialistas ou autoritários, em particular na América Latina, como forma de criar uma falsa percepção de conivência popular com os respectivos Governos. Por meio da hegemonia cultural e institucional, ao povo é dada uma falsa escolha (entre um socialista e um social-democrata, por exemplo), e depois monta-se um teatro pseudo-democrático como se todos tivessem aprovado o regime – algo que só o fizeram aparentemente, no exercício paradoxal do seu direito à “liberdade de uma escolha-forçada” (para usar uma expressão de Žižek), o que também se aplica ao voto em branco, já que este favorece quem obteve mais votos.

Então, porquê o CHEGA ter apresentado esta triste ideia? Talvez por estudos de mercado a olho, ou ‘achismo’ de que muitos estão indignados mas não votam. Contudo, será que quem está mesmo indignado não vota? E se esse ‘achismo’ sair ao contrário e resultar em mais votos rosa e/ou laranja? Não se trata, afinal, de uma proposta convictamente pró-sistema? Como é evidente, será aproveitado por Costa para solidificar a sua ditadura do consenso. Perfeito, perfeito, é juntar a isto apelos a mudanças constitucionais para, depois, a esquerda virar o bico ao prego e proibir esses perigosíssimos partidos “faxistas”, “rassístas” e “chenófobos”, para impor de vez o socialismo evocado no preâmbulo da Constituição.

Maciel Rodrigues, Arquitecto.