Numa rúbrica que ama a cada letra as tradições de Portugal, seria ofensivo deixar o galo mais português fugir da capoeira dos nossos artigos. O Galo de Barcelos canta sempre no telhado dos nossos símbolos, mas nem todos compreendem a origem e a popularidade deste galo tão castiço e, acima de tudo, nosso.

Portugal e Galiza, no seu romance histórico, beijam-se nos Caminhos de Santiago. Durante a Idade Média, certo crime atormentava as gentes e autoridades da belíssima mas modesta cidade de Barcelos. O nome do responsável era desconhecido, até que um galego que por ali passava tornou-se o bode expiatório ideal. Ainda que agarrado firmemente a juramentos de inocência, ele que não passava de um peregrino que se dirigia a Compostela, foi condenado à fatalidade da forca. Consciente da pureza dos seus actos, pediu que o conduzissem até à presença do juiz que determinara a sua sentença. Assim foi. Foi levado até à residência do árbitro da justiça, que petiscava na companhia de amigos. O galego, num gesto de profecia contemplativa, apontou para um galo assado, dizendo: – “É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar quando me enforcarem!”  

Entre gargalhadas e frios desdéns, o galou assado cantou e o juiz, que se lembrou das palavras do jovem peregrino, acorreu ao galego injustiçado e percebeu que o milagre de um nó mal feito evitou uma tragédia. O galego foi autorizado a cumprir a promessa caminhada.   Anos depois, construiu na terra de Gil Vicente o Cruzeiro do Senhor do Galo, homenageando o famoso episódio, a Virgem Maria e São Tiago.  

Importante fazer notar a relação de Jesus Cristo com o galo, já que o Messias também utilizou o galo como instrumento de profecia. «Disse-lhe Pedro: Ainda que sejas para todos uma pedra de tropeço, nunca o serás para mim. Declarou-lhe Jesus: Em verdade te digo que esta noite, antes de cantar o galo, três vezes me negarás. Replicou-lhe Pedro: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. Todos os discípulos disseram o mesmo.» (Mateus 26:33-35).   Regressando ao Galo de Barcelos. A simbologia desta lenda universalizou-se por todo o país e é hoje presença e companhia em muitos lares portugueses, mercearias e lojas típicas. A autoria da sua figura é atribuída ao artesão popular Domingos Côto e ganha forma na arte sobre a madeira, louça ou barro.   Enquanto o galo de Barcelos cantar nas madrugadas do orgulho, Portugal estará desperto.    

Francisco Paixão