Voltámos à quimera lusitana, terra de antiquíssimo granito lendário, muitas vozes que o presente não cala, gerações orgulhosas onde o tempo perde a ceifa. É bonito constatar este sussurro temporal, de ouvido em ouvido, de sangue em sangue, de gente em gente. A hereditariedade de Portugal!
A aridez do Baixo Alentejo não sufocou em espigas a fonte das historietas populares, contadas e recontadas nos palcos vários dos coretos, das tascas e das mesas. As Raízes de Cortiça estreiam-se nos solos loiros do sul, ao gosto imaginado da açorda e do bom vinho.
Esta Lenda da Costureirinha soou como pardal de memória nos ouvidos de muitos portugueses, sobretudo dos anfitriões lendários. Ruídos de pedal e de linha partida foram escutados por populares de diferentes gerações e deu o enigma ventre à lenda! Diferentes versões tentaram explicar o misterioso fenómeno.
A primeira, tão modesta como fatal, conta que a costureira, tomada de fogo maternal, dedicou horas a fio a costurar o vestido de casamento da filha noiva, que morreu antes da Santa Boda. A angústia da mãe, tal a sua dimensão, acompanhou o seu coração para lá do túmulo e o espírito da pobre costureira bordava o mesmo vestido para todo o sempre.

Insaciáveis que são as línguas do povo, outra história foi narrada: o marido da costureirinha, entregue às delícias boémias do álcool, não dava sangue nem suor pelo sustento da família. Assim, a nossa protagonista entrou num rodopio infinito de trabalho desde a vida até à eternidade.
A última versão apareceu num exemplar do Diário de Notícias em 1914. Relata que a costureirinha não cumpriu uma promessa feita a São Francisco, transformando-se numa alma penada costureira até que o descuido fosse compensado.
Alma penada, demónio ou uma velhinha desconsolada. Não o sabemos ao certo, mas todos os mitos têm a verdade da origem, da viagem de ouvido em ouvido, da atenção de quem escuta e do mérito de quem não se cala. A nossa voz é o oxigénio do mito.

Escritor, Historiador, Apologeta
A mãe contou-nos a história e eu, com 5 anos, lembro-me de ouvir a costureirinha e a sua máquina azafamadas, debaixo da minha almofada….
… estávamos em Moçambique, por volta de 61.
Mais tarde, o Luis que esteve “no norte” na guerra, falava-me que a costureirinha era o som das AK47 (da Frelimo) a disparar das matas densas sobre ele e os colegas;
Assim ficou na minha memória…
Crescer sabendo que teríamos que “ir à guerra” quatro anos, primeira tarefa na vida de adulto, dava-nos um amadurecimento precoce.
Para mim, que não me lembro da versão da historia que a minha mãe nos contou, as AK47, Kalashnikov, eram “a costureirinha” e havia que enfrenta-la, tal como os meus irmãos tinham feito; assim mandavam as normas; a família, a nação não se podem traír..