7 de Setembro: o dia que chamou 30 anos de desastres
A censura de Lisboa tentou por todos os meios escamotear a dimensão do movimento, imputando-o a uma minoria sem expressão. Contudo, a revolta foi colectiva, cobrindo a quase totalidade das minorias branca e asiática, a quase totalidade dos miscigenados e vastos sectores da população negra, sobretudo aquela que conhecia o terrorismo da FRELIMO, a brutalidade do seu líder Samora, os desmandos da sua soldadesca zambiana e tanzaniana. A liderança da revolta era compósita: Joana Simeão, jornalista negra que se opusera durante anos ao poder português, mas se aproximara de uma posição negociada, o líder fundadora do GUMO (Grupo Unido de Moçambique), Máximo Dias, também negro e co-fundador do GUMO, o pastor Uria Simango, o dissidente da FRELIMO Lázaro Kavandane, Neves Anacleto, um respeitado jurista branco oriundo do republicanismo reviralhista e animador da oposição democrática a Salazar (Neves Anacleto, era avô de Francisco Louçã), advogados, economistas e médicos indianos, membros destacados do regulato negro, pastores e sacerdotes cristãos, homens de negócios, membros das forças de auto-defesa de Moçambique (milícias, OPVDC – Organização Provincial de Defesa Civil) e quadros negros intermédios. Os meios de que dispunham eram escassos. Mal armados, se bem que contando com a carismática presença de guerreiros de elite (Daniel Roxo), não podiam bater a tropa portuguesa, mas poderiam, com êxito, impedir o controlo das principais cidades do território pelo miserável exército de Samora, o qual não dispunha de efectivos nem capacidade para se impor.
Uma ajuda preciosa chegou aos revoltosos. Da África do Sul começaram a chegar nos dias 7 e 8 centenas de portugueses aí radicados, dispostos a ajudar os patriotas de Lourenço Marques. O Movimento Moçambique Livre padecia, contudo, de uma incurável vulnerabilidade: era apenas a expressão espontânea de um povo ultrajado no direito de escolher o seu futuro, traído por Lisboa e entregue ao concentracionarismo vindicatório da FRELIMO.
No dia 9, transportados de avião, chegaram aos subúrbios de Lourenço Marques os primeiros efectivos da FRELIMO. Foram dadas às células ordens de contra-ataque e começou a carnificina. Centenas de brancos e mulatos mortos à paulada, famílias queimadas dentro das viaturas, assaltos e saque a residências, invasão da zona comercial e vandalização. A tropa portuguesa não esboçou qualquer atitude. O movimento esboroava-se. Machel, de Dar-es-Sallam, estimava que os “vagabundos e criminosos” (A Capital, 10 de Setembro 1974) seriam esmagados, no preciso momento em que uma figura sinistra, o comandante Vítor Crespo, assumia em Lisboa as funções de Alto Comissário Geral de Moçambique. O Moçambique português morria. Começava o êxodo. Os que ficaram, depressa se inteiraram dos propósitos dos novos senhores: centenas de detenções marcaram a entrada da tropa zambiana em LM. No preia-mar das matanças e desmandos, Rui Knopfli, director de A Tribuna de Lourenço Marques, açulava: “esses grupos activistas são compostos por filhos de família, ex-comandos e um sector da pequena burguesia comerciante, que por ignorância se deixaram arrastar nesta aventura”. O filho de família Knopfli dizia tudo: o movimento era, em suma, todo o Moçambique do asfalto. Sem o asfalto, Moçambique caiu na espiral da destruição. Os líderes negros moderados foram mortos – Joana Simeão foi enviada para a “reeducação, onde morreria em condições trágicas, violada por centos de guerrilheiros antes de ser enterrada viva, com o corpo destruído por tesouradas – os brancos saíram do país e vieram as campanhas machelistas: guerra ao “tribalismo”, guerra à “religião”, guerra aos muçulmanos, guerra aos “parasitas indianos”, guerra a tudo que lembrasse a sociedade colonial.