Joacine Katar-Moreira, deputada do partido LIVRE e André Ventura, do CHEGA – o que terão de tão diferente que mereçam ser tratados de forma tão distinta pela nossa classe política e jornalística? E quem, de facto, está em vantagem ou desvantagem?
Começarei pela “desVenturosa” gaguez de Joacine e depois irei “Katar” os defeitos ao Ventura. Desde já me perdoem os trocadilhos com os apelidos, pois diz-se que é feio brincar com os defeitos dos outros, ferindo o princípio constitucional da igualdade socialista. O mesmo não se pode dizer dos argumentos políticos, que podem e devem ser encarados com ciência, objectividade e escrutínio. Logo à partida, daqui se infere que, quem transforma os seus defeitos pessoais em argumentos políticos, ou abdica de rentabilizar o seu potencial vitimista, permitindo que estes sejam objecto de legítima crítica democrática (incluindo no humor, caricatura e sarcasmo), ou nada mais faz do que revelar-se um vulgar charlatão (ou charlatã). Por outro lado, tem sido obsceno ver aquele que recusa a fazer-se de coitadinho, ou a valer-se de qualquer limitação pessoal, não somente ser insultado a toda a hora pelos nossos ilustres comentadores como, ainda por cima, ser ele o acusado de usar a estratégia da vitimização.
Já a “democracia radical” que move a Dra. Joacine, leva-a a usar a gaguez, a cor da pele e o feminismo como mecanismos radicalmente anti-democráticos: Quem se rir é gagofóbico, quem discordar é racista e quem ficar indiferente é machista. É sabido que os portugueses recebem as modas sempre com atraso significativo, mas nem por isso deixam de repetir os mesmos erros de quem não teve a oportunidade de os testar. Trata-se de um cliché que chegou à política americana há décadas, o mesmo que elegeu Barack Obama do dia para a noite, e que agora é importado como manobra de marketing político numa altura em que os americanos vivem uma onda histórica de nacionalismo. Com efeito, só uma grande dose de provincianismo luso pode ainda explicar tantos votos numa esquerda politicamente correcta (LIVRE, BE) que, nos Estados Unidos e um pouco por toda a Europa, já só agrada aos oligarcas, burocratas de serviço e demais servos da gleba (académicos, jornalistas, etc.) do socialismo oligárquico internacional.
Cria-se, então, uma falsa percepção sobre a suposta “desvantagem” de Joacine. Parece que ela teria coisas maravilhosas a dizer; o povo português é que, preconceituoso como é, nunca daria hipótese a uma mulher negra e gaga de mostrar o seu valor. Ora, o que se passa é precisamente o contrário: Só mesmo as ditas “desvantagens” (vulgo “atributos de classe”) da deputada do LIVRE podem disfarçar a falta de qualidade do seu discurso político (repleto de acusações simplórias contra o povo que a acolheu e elegeu). É, aliás, para isso que elas servem, bem como para encobrir as extraordinárias vantagens e privilégios de que Joacine disfruta enquanto revolucionária da New Left num país europeu, rodeada dos favores e bênçãos do status quo. Note-se, enquanto isso, que o seu chefe, Rui Tavares, é membro do conselho da European Alternatives (organização financiada por várias entidades representativas do grande capital mundial, desde a Allianze à Open Society).
De facto, até agora, o único verdadeiro preconceito que Joacine tem confirmado é o de que qualquer um, por mais handicaps que tenha, parece ter as portas abertas (senão escancaradas) para vencer na política, a partir do momento em que conta com o apoio generalizado das redes político-culturais da extrema-esquerda. É dispensável qualquer mérito quando temos o poder hegemónico das forças revolucionárias que, dominando os principais meios de acção e propaganda – educação, cultura, meios de comunicação, ONGs subsidiadas com o dinheiro de fundações bilionárias e dos contribuintes, etc. – até se dão ao luxo de colocar gagos em São Bento, a sede retórica da nação. Nem os nossos comediantes, quais bobos da corte do mencionado sistema, arriscarão a sua carreira para mimetizar uma intervenção parlamentar em que é proferida uma única frase em cinco longos e tortuosos minutos.
Com efeito, esta substituição dos méritos pessoais pela voluntariosa participação no processo revolucionário é justamente o que a New Left pretende estender a toda a sociedade portuguesa, impondo as cotas de raça e de género (quiçá, um dia, de espécie).
Deste modo, com o evoluir do processo revolucionário, cada vez mais iremos ser socioeconomicamente recompensados na proporção da nossa adesão à revolução, em detrimento das nossas capacidades e méritos individuais. Estarei a ser injusto? No dia em que Joacine quebrar uma só linha ideológica ou estratégica do seu movimento, e sobreviver, aqui estarei para pedir perdão por ter desvalorizado a sua capacidade meritória e retirar tudo o que disse. Mas, não me parece que tal irá acontecer. Ela tem dono, tem chefe, a sua sobrevivência política consiste em obedecer.
Já para fazer oposição política ao poder instalado, Ventura precisou de se tornar professor doutor (não de ciências politicamente instrumentalizadas, claro está) e andar anos a ganhar tarimba nas diatribes partidárias e futebolísticas, ao ponto de se tornar praticamente imbatível ao nível do debate, tal como ficou patente no seu primeiro confronto com personalidades do regime a seguir às eleições (Augusto Santos Silva, Mortágua, etc.). No mesmo debate, Joacine insistiria, sem gaguejar, na sua auto-projectada “falácia da meritocracia” (I rest my case…).
Pergunto-vos eu: Quem estará, portanto, em desvantagem? E quem será mais corajoso? Pela interrogativa, a resposta poderá equivaler à questão: Quem tem mais capacidade de usar o sistema para censurar (moralmente e, talvez num futuro próximo, legalmente) a voz da crítica? Pela afirmativa, trata-se de constatar o óbvio: Até mesmo um esquimó transexual, corcunda e fanhoso, a partir do momento em que seja apoiado pelas instituições, personalidades e meios de comunicação dominantes, goza necessariamente de uma vantagem avassaladora, em especial, se contra qualquer indivíduo condenado por heresia na inquisição da cultura vigente, por mais qualidades pessoais ou defeitos que tenha.
O problema de Ventura é, assim, oposto ao de Joacine. Se, por um lado, esta beneficia da própria gaguez, fazendo-se valer desse escudo de imunidade contra a crítica e mobilizando o poder omnipresente da nova inquisição cultural que a apoia; por outro, Ventura tem o defeito de questionar o discurso oficial, bastando tropeçar numa palavra – ainda que gagueje – que todo o sistema se une para o dizimar num ritual de penitência em praça pública, ou como diria Lenine, “erradicá-lo da face da Terra”.
Por fim, uma última interrogação tem o dom de nos intrigar: Não será Ventura, “por ventura” – e ao contrário da assumida fragilidade de Joacine – um exemplo raro de um anti-frágil, i.e. daquelas personalidades que quando são atacadas por todos os lados fortalecem-se ainda mais? Não será no meio da adversidade que Ventura tem provado o seu valor e, como uma hidra, se lhe cortam a cabeça nascem três? Nos próximos quatro anos, saberemos.
Maciel Rodrigues, Arquitecto

2 de Novembro de 2019