Nenhuma das 216 crianças nascidas em 132 aldeias num estado Indiano nos últimos três meses eram raparigas, revelaram as autoridades.
As autoridades de Uttarkashi, no estado de Uttarakhand, lançaram um inquérito sobre o receio de que os pais tenham tido abortos selectivos em função do sexo.
A Índia proibiu o aborto seletivo por sexo em 1994, mas ainda é prática comum abortar os bebés femininos, pois eles são vistos como um fardo financeiro, com as famílias muitas vezes a precisarem de fornecer dinheiro para dotes caros, apesar de terem sido proibidos em 1961.
Os rapazes são favorecidos porque são vistos como o principal sustento da família e o nascimento de um filho é visto como motivo de celebração e orgulho familiar.

Ashish Chauhan, magistrado distrital de Uttarkashi, disse que a taxa era ‘suspeita e chamou a atenção para o aborto feminino’, segundo a agência de notícias ANI.
Identificámos áreas onde o número de partos de raparigas é zero ou em números de um só dígito.
Estamos a monitorizar estas áreas para descobrir o que está a afectar o rácio. Será realizado um inquérito e um estudo detalhados para identificar a razão subjacente”, acrescentou.
Inicialmente, 132 aldeias foram identificadas como não tendo raparigas nascidas nos últimos três meses e foram rotuladas como “zona vermelha”. Isto significa que os dados locais serão escrutinados para tentar descobrir a razão por detrás da ausência de bebés do sexo feminino.
No entanto, os funcionários distritais mais tarde recuaram nos números iniciais, dizendo que havia apenas um problema em 82 aldeias, não nas 132 originais e afirmando que apenas 16 aldeias não tinham partos de raparigas, enquanto as restantes 66 tinham menos raparigas do que rapazes.
O exercício foi feito para trazer transparência no procedimento de recolha de dados sobre o rácio de sexos infantis no distrito.
“Temos uma proporção sexual muito melhor do que outros distritos do país, mas não podemos ignorar as aldeias onde o número de raparigas é comparativamente menor desde há muitos meses. Para esclarecer a diferença nos dados, criámos uma equipa de 26 funcionários a nível distrital, que irá realizar um inquérito no terreno para descobrir os números reais”, disse Chauhan ao Times of India.
Havia apenas 943 mulheres para cada mil homens na Índia no censo populacional de 2011.
Em 2013, juízes da Suprema Corte na Índia convocaram funcionários de saúde em sete estados por medo de infanticídio feminino.
O crime – o assassinato deliberado de bebés do sexo feminino no primeiro ano de vida – é um dos mais subnotificados na Índia, segundo a Save the Children.
A UNICEF já disse anteriormente que a cultura de favorecer os homens está a custar a vida de milhões de jovens na Índia e que mais de 2.000 abortos ilegais estão a ser realizados todos os dias em todo o país.
A luta da Índia contra a selecção por sexo
O aborto selectivo feminino, o acto de abortar um bebé por ser do sexo feminino, é um grande problema social na Índia, onde existe uma forte preferência pelos filhos em detrimento das filhas.
Um estudo recente descobriu que 500.000 meninas não nascidas estavam a ser abortadas todos os anos. Um relatório da UNICEF em 2006 revelou que 10 milhões de meninas foram mortas – antes ou depois do nascimento – pelos pais a partir de 1986 na Índia.
A prática é mais proeminente em Gujarat e nos estados do Norte da Índia, onde há baixas taxas de registo de crianças do sexo feminino.
O infanticídio feminino, o acto de matar meninas indesejadas, é um problema cultural de longa data em todo o subcontinente indiano, devido à natureza patriarcal da sociedade.
As crianças do sexo masculino são preferidas na crença de que trarão riqueza e prosperidade para a família, enquanto as crianças do sexo feminino são muitas vezes vistas como um fardo.
Outro factor é o sistema de dote, em que a família da noiva dá uma grande soma de dinheiro ou bens valiosos ao noivo e à sua família.
Embora o sistema de dote tenha sido proibido, continua a estar profundamente enraizado na cultura indiana.
Famílias com várias filhas podem encontrar a prática de pagar um dote um fardo sério.
O aborto selectivo começou no início da década de 1990, como resultado da disponibilidade na Índia de técnicas de ultra-som capazes de determinar o sexo de uma criança por nascer.
Como resultado, 80 por cento dos distritos indianos relataram uma maior proporção de crianças do sexo masculino para o feminino desde 1991.
Acredita-se que esta prática tenha levado a um aumento do tráfico de seres humanos, com as mulheres a serem compradas e vendidas como noivas em áreas onde há uma maior proporção de homens.
Há décadas que os activistas defendem que os abortos selectivos em função do sexo estão a provocar um “genocídio” da população feminina da Índia.
Um relatório do governo no início deste ano descobriu que o país tem 63 milhões de mulheres a menos do que deveria devido à preferência dos pais por rapazes.
O conselheiro económico principal Arvind Subramanian revelou as estatísticas chocantes num relatório e disse que a Índia deve “confrontar a preferência social pelos rapazes”.
Na China, o país mais populoso do mundo, os homens superam as mulheres em quase 34 milhões – significativamente mais do que toda a população da Austrália.
Especialistas afirmam que a controversa política de um filho único, que durou de 1970 a 2015, ajudou a criar o desequilíbrio à medida que as famílias procuravam ter um filho masculino.
Tanto na cultura indiana como na chinesa, o nascimento de um filho é frequentemente motivo de celebração e orgulho familiar.
No entanto, o nascimento de uma filha pode ser um momento de vergonha e até mesmo de luto como os pais olham para as dívidas imensas que terão de assumir para pagar os dotes de casamento.
O professor Rob Brooks, biólogo evolucionista da Universidade de New South Wales, disse à SBS que os filhos são preferidos em algumas culturas porque são mais propensos a “cuidar dos pais na velhice”. As meninas são mais propensas a casarem e ajudarem a cuidar dos pais de outra pessoa, disse ele.
O Governo da Índia revelou em Janeiro que haverá 105 rapazes para cada 100 raparigas sem qualquer intervenção humana.
Mas estimativas anteriores de 2011 sugerem que o problema já é pior do que isso, com 914 meninas com menos de seis anos de idade para cada 1.000 meninos da mesma idade.
Na China, os países da ONU afirmam que há quase 116 meninos para cada 100 meninas, mas os relatórios afirmam que a proporção é muito maior nas áreas rurais pobres.
Os ativistas têm advertido que os abortos seletivos por sexo são muitas vezes o único trabalho que os médicos recém-formados na Índia podem encontrar devido ao excesso de pessoal.
O The Times já relatou anteriormente como os ultra-sons ilegais podem custar cerca de 10.000 rupias (150€) em algumas cidades Indianas, mas os scanners portáteis estão disponíveis para alguns aldeões por uma fração do preço.
25 de Julho de 2019
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