“A generalidade dos nossos historiadores teima em cometer a imprecisão de referir as migrações de povos que entraram como invasores na Península Ibérica no século V, designando genericamente o fenómeno como “invasões germânicas”. É verdade que os Suevos, os Vândalos e os Visigodos eram oriundos da Europa Central e se filiavam na vasta família dos povos ditos germânicos. Contudo, juntamente com estas levas, um povo não-germânico transpôs os Pirinéus no início do século V sob o comando do Rei Respendrial. Tratava-se dos Alanos, povo indo-iraniano oriundo do Cáucaso e pertencente ao ramo dos Sármatas.

Bons archeiros e exímios cavaleiros, mestres das artes da metalurgia e sofisticados ourives, estes guerreiros “altos e fortes, de cabeleira loura e olhos ferozes” – assim os descreveu Amiano Marcelino, historiador romano de finais do século IV – haviam iniciado a sua marcha para ocidente em meados do século IV, empurrados pelas assustadoras hordas hunas que haviam sido detidas pelo império persa (Sassânida) e obrigadas a desviar a sua marcha para as estepes do Sul da Rússia. Desalojados das suas terras, os Alanos dirigiram-se para o Limes do império romano, então em desagregação, forçando a passagem e estabelecendo-se momentaneamente na actual Normandia, onde deixaram traços na corografia regional (Alençon e Airan).

De novo obrigados a deslocar-se, agora sob pressão dos Godos, os Alanos (que se referiam a si mesmos como Ironi ou Irani), transpuseram a cadeia dos Pirinéus e assentaram acampamentos no sudeste da Península. A chegada dos Visigodos obrigou-os, uma vez mais, a deslocar-se para ocidente. O grosso da população alã abandonou essas terras aprazíveis, mas alguns clãs negociaram com os Visigodos, ali permanecendo e dando a essa terra o nome de Gotalaniay, ou seja, a actual Catalunha.

Por volta de 412, assenhorearam-se das duas grandes províncias hispano-romanas da Cartaginensis e Lusitânia, ocupando a capital desta última (Mérida, Emerita Augusta), aí sediando o centro do seu poder. Porém, a sua lengendária ferocidade guerreira não era mais que um dos traços do carácter deste povo entusiasta da caça. Se lhes coube a introdução na Península dos cães de guerra e caça, ainda hoje muito estimados pelos caçadores espanhóis – os alões – tudo indica que o tratamento que dispensaram aos povos a eles submetidos foi ameno, pois que inclinados à negociação e às pazes, raramente excediam a violência dos vencedores. Durante as duas décadas que permaneceram na Península, deles não ficou registo de comportamentos excessivos e daquela crueldade que outros povos nómadas deixaram.

Em finais da década de 420, a massa visigoda, chamada à Península pelos governadores provinciais romanos, moveu-lhes implacável perseguição. Derrotados e privados do seu Rei, aliaram-se aos Vândalos (então estabelecidos na Andaluzia, Vandália ou Vandaluzia) e transpuseram o estrito de Gibraltar, seguindo depois para Cartago, onde se instalaram. Grupos isolados de Alanos terão permanecido no actual território português nas regiões de Lisboa, Coimbra e Beja, onde foram lentamente assimilados pelas populações locais. Hoje, o que resta desse povo iraniano constitui o grupo étnico maioritário na Ossétia. Respingos dessa estirpe guerreira permanecerão certamente no sangue tunisino, como na massa do sangue português correrão ainda algumas gotas dos Alanos.”

Miguel Castelo-Branco


9 de Junho de 2019


Nova Portugalidade