“A Masculinidade é a barreira social que as sociedades devem erigir contra a entropia, inimigos, as forças da natureza, tempo, e todas as fraquezas humanas que metem em perigo a vida do grupo.” – David D. Gilmore

 
 
Hoje em dia, existe muita discussão sobre a masculinidade e o futuro dos homens. Às vezes eu vejo pessoas a tentar parar uma destas conversas antes que elas comecem a dizer algo como “Falar sobre o significado de ser homem não faz sentido, porque toda a ideia de masculinidade é algo completamente relativa, é diferente em todas as culturas e mudou ao longo do tempo”
 
Existe alguma verdade nesse argumento, no ponto em que os ideais de masculinidade de facto variaram pelo mundo e ao longo dos séculos. Mas está deveras errado ao assumir que estes ideais não partilham alguns pontos em comum que são imutáveis.
A masculinidade sempre significou algo que, apesar de poder ser uma surpresa para alguns, sempre significou praticamente a mesma coisa para quase todas as sociedades no mundo.
 
Esta é a descoberta de um dos poucos, se não o único livro que fez um estudo compreensivo sobre como a masculinidade é retratada e vivida pelo mundo inteiro:
Manhood in the Making de David D. Gilmore. O que na verdade se tornou no livro mais revelador sobre a masculinidade que eu já li, se estiver interessado na natureza da virilidade e da masculinidade, eu recomendo fortemente que o leiam, ajudou-me a pensar no significado de masculinidade noutro nível.
Hoje eu gostaria de começar com uma das principais descobertas de Gilmore: que a preocupação de ser masculino, longe de ser um fenómeno peculiar e moderno, uma obsessão oriunda de um tempo passado, ou um capricho cultural que se desenvolveu em alguns locais no mundo, tem de facto sido partilhado por quase todas as culturas no mundo, tanto passadas como actuais. Sociedades tão afastadas como Japão e México, Nova Guiné e Índia, Quénia e Espanha, tiveram e continuam a ter uma concepção cultural de o “homem a sério” – um ideal ao qual todos os homens aspiram.
 
A crença num código de “verdadeira masculinidade” é quase universal, existem, como o antropólogo Thomas Gregor as descreve, “continuidades de masculinidade que transcendem diferenças culturais.” Enquanto a ideia de todas as sociedades sobre o que é um “homem a sério” são moldadas pelas suas historias únicas, ambiente, e crenças religiosas dominantes, Gilmore descobriu que quase todas partilham três imperativos e valores morais em comum – ao quais eu chamei de os 3 P’s da Masculinidade: Um macho que aspire a ser Homem tem que Proteger, Procriar, e Prover.
 
O que é impressionante é que este trio de imperativos masculinos pode ser encontrado em culturas que não têm quase nada em comum. Eles são “estruturas profundas da masculinidade” e estão presentes tanto em sociedades patriarcais como em sociedades que são relativamente igualitárias, em sociedades primitivas e em urbanas, bélicas e pacificas.
 
Os 3 P’s não são universais, pois existem algumas culturas em que não existe nenhum ideal de masculinidade. Mas estas excepções são tão raras, e tão excepcionais que o código é senão universal então é altamente ubíquo.
 
Hoje vamos dar uma vista de olhos ao primeiro dos 3 P’s: o dever de Proteger.
 
 
 

Uma Nota Lateral da Série

 
Enquanto lê estas três publicações a questão mais presente na sua mente (visto que todos somos criaturas motivadas pelo ego) é provavelmente, “Como é que eu me enquadro segundo estes critérios?”
Mesmo em sociedades modernas onde os rapazes são ensinados que se preocuparem em serem “homens a sério” é ridículo, muitos homens (e atrevo-me a dizer a maioria dos homens) ainda querem pensar que são “homens a sério”.
 
Se se identificar com os 3 P’s então provavelmente vai acenar com a cabeça à medida que lê, se não então pode ter uma reacção emocional forte, nós frequentemente sentimos uma reacção visceral e fisiológica de luta-ou-fuga como resposta a uma “ameaça” ao nosso estatuto social.
 
É óbvio que os homens vão enquadrar a sua definição de masculinidade de uma maneira que melhor lhes serve as suas crenças, a sua personalidade, e os seus atributos; eles vão gravitar para uma definição de masculinidade que melhor os descreve e vão criticar outros tipos de masculinidade com os quais não se alinham tanto. O que quer dizer que um choninhas frágil é mais provável que dê menos importância ao papel de Protector e que dê mais importância à inteligência necessária para Prover, enquanto um homem em boa forma física que não pode ou não quer ter filhos é mais provável que menospreze o papel de Procriar e que dê mais ênfase á força necessária para o papel de Protector.
 
Mas definir a masculinidade utilizando-se a si mesmo como exemplo de excelência não é a melhor maneira de o fazer. O tipo de homem que eu realmente respeito é o que consegue reconhecer, com franqueza, onde é que pode falhar no critério tradicional de masculinidade e ponderar se isso o incomoda ou não, e se é um bom exemplo no primeiro lugar. Depois ele consegue decidir a partir daí se deve tentar melhorar ou se sabe que não está á medida, mas que também não se quer preocupar em estar.
 
Por exemplo eu sou um verdadeiro “homem de casa” que gosta de ler livros e de passar tempo com a minha mulher e filhos. Até recentemente esta minha tendência ter-me-ia marcado como afeminado (mais sobre isso abaixo).
 
Mas enquanto sair para o barulho e o caos do mundo não me descreve pessoalmente, eu entendo o valor de colocar homens na praça pública para competirem a arriscarem; toda a sociedade beneficia de tais empreendimentos. Eu não vou mudar completamente as minhas maneiras devido a este conhecimento, mas também não o vou rejeitar pois encoraja-me a procurar maneiras de reduzir os meus hábitos reticentes com mais interacção social.
 
Tudo isto serve para dizer que se encontrar padrões de masculinidade que não se enquadram consigo, deve lutar contra a reacção emocional de os rejeitar precipitadamente e deve passar mais tempo a pensar sobre o seu valor possível, se deseja aspirar a tais morais ou se para si é de facto impossível alcançá-los, se pode trabalhar mais esforçadamente para alcançar excelência nas outras áreas em que pode ter mais dificuldade.
 
 

O Homem enquanto Protector

 
 

“A quintessência da masculinidade é a coragem, a prontidão para defender o seu orgulho e o da sua família.”

– Julian Pitt-Rivers, The People of the Sierra

 
 
Se pensarmos nos 3P’s da masculinidade como um arco em que um rapaz deve passar para se tornar um homem, o imperativo de Proteger é sem dúvida o seu pilar. A qualidade necessária para a sua realização – coragem – tem sido reconhecida como pré-requisito da masculinidade desde tempos antigos. E é também o imperativo masculino que mais resistiu no nosso mundo de neutralidade de género; mesmo em casas onde o trabalho e a parentalidade são distribuídos igualmente entre marido e mulher, se houver um barulho á noite é quase sempre o homem que vai investigar.
 
 
A importância do imperativo da Protecção deve-se a factos que, em comparação com os outros dois, são mais firmes em anatomia e fisiologia. Os homens no geral têm mais força fisica que as mulheres, e no que toca a manter e aumentar uma população, o sémen é muito menos valioso que um útero. Consequentemente, devido a serem mais fortes e mais descartáveis, os homens têm ao longo da História sido atribuídos os trabalhos mais sujos e perigosos da sociedade.
 

 

“A masculinidade é o triunfo sobre o impulso de fugir do perigo.”

 
 
Como veremos, Gilmore argumenta que todos os três imperativos principais da masculinidade envolvem um grau de risco e são estruturados como proposições de vitória/derrota. O perigo inerente ao papel de protector é simplesmente mais saliente do que o dos outros dois, já que “perder” nesta missão pode resultar em danos corporais ou morte.
 
Como veremos, Gilmore argumenta que todos os três imperativos principais da masculinidade envolvem um grau de risco e são estructurados como proposições de vitória/derrota. O perigo inerente ao papel de Protector é simplesmente mais saliente do que o dos outros dois, já que “perder” nesta missão pode resultar em danos corporais ou morte.
 
 
 
Por causa do risco inerente nos esforços exigidos para se tornar um homem, “a descartabilidade … geralmente constitui a medida da masculinidade”:
 
 

“Para serem homens, acima de tudo, eles devem aceitar o facto de que são dispensáveis. Essa aceitação constitui a base da virilidade em todos os lugares em que é encontrada; contudo a simples aquiescência não chegará. Para ser socialmente significativa, a decisão pela masculinidade deve ser caracterizada pelo entusiasmo combinado com uma resolução estóica ou talvez de uma forma graciosa. Deve mostrar uma demonstração pública de escolha positiva, de júbilo mesmo em dor, pois representa um compromisso moral de defender a sociedade e os seus valores centrais contra todas as probabilidades. Assim, a masculinidade é a derrota do narcisismo infantil que não é apenas diferente do papel de adulto, mas antitético a ele”.

 
 
De serem chamados para o campo de batalha em todas as épocas, para homens que colocam mulheres e crianças nos botes salva-vidas do Titanic enquanto eles afundavam com o navio, para homens que protegiam os corpos de suas namoradas durante o tiroteio no cinema Aurora, a masculinidade sempre significou uma disposição de sacrificar a própria vida pela proteção dos outros.
 

Guardião da sua Casa

 

“O homem a sério ganha notoriedade ao se posicionar entre a família e a destruição, absorvendo os golpes do destino com serenidade.”

 
 
A essência do instinto de proteger é a “necessidade de estabelecer e defender fronteiras”. Um homem guarda a linha entre os perigos de todos os tipos e aqueles que ama e se sente obrigado a proteger – a fronteira entre sua casa e o mundo exterior e entre sua aldeia ou nação e o seu inimigo. Ele é despertado para acção quando essa linha é cruzada. Mesmo um homem que não se considera particularmente patriótico ou dá muito crédito ao conceito de masculinidade poderia muito provavelmente pegar numa espingarda se invasores começassem a atravessar a fronteira do seu país.
 

Coragem e Atitude

 
Os limites a que um homem Protege vão além da variedade física até a linha entre honra e desonra, tanto para sua própria reputação quanto para sua família e linhagem. Tradicionalmente, manter a reputação de ser másculo significava reagir a qualquer desrespeito – a proteção do bom nome era da mais alta importância.
 
 
Um dos elementos-chave subjacentes a todos os três P’s de masculinidade é que a aptidão de um homem para cada dever tinha que ser demonstrada em símbolos e realizações visíveis e tinha que ser publicamente confirmada. Ser um homem recluso era considerado efeminado – um homem tinha que estar na praça pública, “na arena”. Por exemplo, em Chipre, “um homem que fica em casa com a esposa e filhos terá sua masculinidade questionada: ‘ Que tipo de homem ele é? Ele prefere ficar em casa com mulheres. ‘” E entre os Kabyle argelinos, “Um homem que passa muito tempo em casa durante o dia é suspeito ou ridículo: ele é’ um homem de casa ‘, que mora em casa como uma galinha. no poleiro. Um homem respeitável deve-se oferecer para ser visto, constantemente colocar–se á vista, confrontá-los, encará-los. Ele é um homem entre os homens”.
 
 
Quando se trata do papel de protector, esta demonstração pública de aptidão revela-se em desportos competitivos e de combate, como a luta livre. Essas disputas estabelecem uma hierarquia dentro da tribo, mostrando quem é o mais forte. O sucesso numa luta faz com que o homem tenha uma reputação de alguém com quem não se devem meter. Ao mesmo tempo, estas lutas revelam quais os homens que estão preparados para a batalha e quais seriam elos fracos se a tribo tivesse que se unir para enfrentar um inimigo externo. Pois cada homem individual contribui para a reputação geral da força do grupo, e essa reputação pode agir como um entrave que faz os inimigos nem sequer tentarem um ataque.
 
Como Gilmore explica, usando as frequentes lutas dos rapazes da Ilha Truk como exemplo, a coisa mais importante para os homens demonstrarem nesses tipos de lutas é a sua coragem – mesmo que ele não seja o mais forte do grupo, ele está disposto a lutar e a resistir:
 
 

“O que parece importar mais não é vencer a luta na sua essência, embora isso seja importante, mas a garra com que responde ao desafio e a demonstração de indiferença à dor. Um homem a sério não se importa com ferimentos pessoais, rindo-se do seu próprio sangue. Ao lutar, a ganhar ou a perder, se ele for derrotado bravamente no calor do combate, um homem dá força à sua reivindicação de masculinidade, reforçando simultaneamente a reputação de força de seu grupo. Uma derrota honrosa não é em si uma perda de dignidade; o que parece importar mais é mostrar disposição para receber golpes, derramar sangue. Contusões e cicatrizes só aumentam o prestígio de um homem e da sua linhagem.”

 

Enquanto a coragem e a atitude que todos os grupos masculinos exibem são frequentemente criticados como sendo juvenis e teatrais, Gilmore argumenta que comportamentos como brigas e assunção de riscos realmente “sobrepõem uma infra-estrutura de sérias obrigações sociais”:

 

“Debaixo da postura e da auto-promoção há um mínimo de expectativas práticas que os homens em todos os lugares têm, até certo ponto… a necessidade de estabelecer e defender fronteiras.”

 

A maneira de um Homem lutar é como ele vive a Vida

 
 
 
Todos os 3 P’s interagem e relacionam entre si. Por exemplo, quando se trata das lutas públicas acima mencionadas, elas são usados pelos pares de um homem para julgar não só a sua aptidão como protector, mas também o quão bom de um trabalhador e marido ele será. As mesmas qualidades que fazem de um bom lutador – disciplina e perseverança – são aquelas que farão dele um sucesso nestes outros papéis. Um homem que mostra que pode resistir será mais confiável e respeitado pelos seus semelhantes, e mais provável de ser convidado por eles para ser um amigo e um parceiro em atividades económicas. Ele é o gajo que os outros gajos querem quando estão a escolher equipas. Por razões semelhantes, as lutas são observadas de perto e entusiasticamente pelo sexo oposto.
 
A proeza física pode assim ganhar oportunidades para um homem ganhar riqueza material (tornando-o um melhor Provedor) e mulheres (aumentando assim suas hipóteses de Procriar), aumentando assim a sua reputação masculina em geral.
 

Conclusão

 

A grande questão que surgirá naturalmente de uma discussão sobre os 3 P’s da masculinidade (além do quão bem os encarna pessoalmente), é se esses padrões ainda são relevantes numa época em que os drones substituíram os homens como máquinas assassinas, alguns pensam que o mundo já está sobrepovoado, e as mulheres compõem metade da força de trabalho. A masculinidade é de facto obsoleta?
 
Como Gilmore aponta, os imperativos em si não são realmente maus ou bons, tanto quanto são categorias de comportamento encorajado. É como eles são aplicados, impostos e segregados exclusivamente ao sexo masculino com o qual as pessoas discordam. Alguns que são muito tradicionais dirão que devemos levar essas acusações adiante praticamente inalteradas. Alguns dirão que eles são ofensivos, sexistas, e totalmente desactualizados e devem ser descartados como marcas da masculinidade por completo. E alguns (e isso nos inclui) dirão que eles ainda têm valor, e que devemos manter as melhores partes desses deveres masculinos e descartar o que não funciona.
 
Eu realmente respeito alguém que assume qualquer um desses lados em particular mais do que alguém que não quer ter a discussão de todo porque “masculinidade não tem sentido”. Pelo menos tem a discussão. E quando tu fizeres isso, agora sabes por onde começar.
 
24 de Fevereiro de 2014
 
Brett Mckay