O tráfego de camiões entre o Reino Unido e a França foi suspenso, coincidindo com as negociações do Brexit, na sequência da detecção em território britânico de uma variante do SARS-CoV-2 que, alegadamente, pode ser até 70% mais contagiosa.
Na Quarta-feira, dia 23, a França abriu a fronteira, mas exigiu que os motoristas tivessem um teste Covid-19 negativo para entrar no seu território. Centenas de motoristas Portugueses passaram o Natal retidos em Inglaterra, na fila de 90km na auto-estrada M20, no Aeroporto de Dover e em várias estações de serviço da região.
No dia 26 de Dezembro, André Matias de Almeida, porta-voz da Antram (Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias), militante do PS e nomeado para dois cargos pelo actual Governo, em declarações para a Agência Lusa, Antena 1 e para a Rádio Observador, afirmou que “acreditamos que até ao final do dia todos os motoristas terão passado a fronteira e estarão em trânsito para as suas localidades” e que “não há nenhum motorista retido no Reino Unido”. Estas afirmações depois foram propagadas, sem contraditório, pela RTP, TVI, SIC, TSF, e restantes órgãos de comunicação social com parceria com a Agência Lusa.
Rogério Nunes, um dos motoristas que esteve retido em Dover até Quinta-Feira, denunciou ao Notícias Viriato que André Matias de Almeida, porta-voz da Antram, mentiu no dia 26 quando alegou que já não haviam Portugueses retidos em Inglaterra, falando em várias centenas de motoristas ainda impedidos de passar a fronteira no dia 27. Rogério na semana passada tinha inclusive prestado declarações a jornalistas da Antena 1 e da TSF e falou nos telejornais da TVI e da RTP, dos dias 23 e 25, sobre as condições degradantes em que os motoristas estavam a viver e a falta de apoio do governo Português, mas quando tentou contactar sobre a falsidade de André Matias de Almeida, foi “completamente ignorado”, como reportou ao Notícias Viriato:
“Esta semana passada fui contactado várias vezes por jornalistas e falei para a TSF, Antena 1, RTP, SIC e TVI, mas quando, ontem, o André Matias de Almeida veio dizer que já não havia motoristas em Inglaterra, eu contactei os mesmos canais, TVI, SIC, RTP, Antena 1, TSF para desmentir o que ele estava a dizer, e apenas me ignoraram! Durante a semana toda falei com eles todos os dias, às 5 da manhã, às 6h, às 10h… ligavam-me 20 vezes por dia, mas a partir do momento em que o André Matias de Almeida falou na comunicação social, não me atenderam mais, não me responderam às mensagens… ignoraram-me completamente porque sabem que isso é mentira.”
Motoristas Portugueses Foram Ajudados por Embaixadas Estrangeiras
Na autoestrada M20, onde a fila de camiões chegou aos 90km, só a polícia e veículos diplomáticos é que podiam circular, no pretexto da não propagação da Covid-19, por isso os motoristas não tinham acesso a água, a casa de banho, e apenas tinham mantimentos para os dias que tinham planeados, e não a duração total do bloqueio.
Rogério Nunes e outros motoristas contaram ao Notícias Viriato que a única ajuda que os Portugueses tiveram foi de pessoas das Embaixadas da Polónia, da Bulgária, da Roménia e da República Checa, que estavam em carrinhas a apoiar os seus cidadãos e que também ajudaram os Portugueses com comida e bens de primeira necessidade. Também uma pizzaria e um clube de futebol regional ofereceram comida e mantimentos.
“Quem ajudou foram os Romenos, Búlgaros, Checos e Polacos, motoristas e imigrantes, esses tiveram ajuda dos seus próprios países, e ajudaram muitos Portugueses… até tabaco ofereceram. (…) Contactámos várias vezes a Embaixada e o Consulado e só meia dúzia de Portugueses é que receberam uma sandes de queijo e fiambre, quando eram centenas.”, relata Rogério Nunes ao NV.
O Notícias Viriato contactou a Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, que diz “não ter conhecimento que existam motoristas Portugueses retidos”, mas que é possível que hajam “motoristas a fazer os testes na fronteira e que demorem mais tempo”.
Em resposta à alegada falta de apoio do Consulado e a ajuda de embaixadas estrangeiras, Berta Nunes afirma que antes de irem ao local, tinham tido “três pedidos de ajuda por email e mais tarde, outros pedidos na Linha do Gabinete de Emergência Consular, e a essas pessoas perguntámos o que era preciso e fomos ao encontro delas”.
“Não foram muitos que pediram ajuda, cerca de doze, mas todos os que pediram nós esclarecemos e fomos ao seu encontro.”
Três Milhões de Prejuízo para Justificar Congelamento de Salários?
Pedro Abrantes, motorista da empresa da Lourinhã StopTrans, retido numa área de serviço da região de Dover juntamente com 24 colegas, falou com o Notícias Viriato depois do seu vídeo de dia 27 se tornar viral em grupos de motoristas nas redes sociais.
Pedro, que passou o Natal com a sua esposa e colegas na área de serviço, falou sobre a diferença de comportamento entre a sua empresa, a Stoptrans, e o porta-voz da Antram: “A minha empresa quando esse senhor da Antram estava preocupado com os 3 milhões de prejuízo, a minha empresa disse-me “o que for preciso, vão e paguem, que devolvemos o dinheiro, se for preciso enviamos dinheiro”. A minha empresa disse-me “Nós estamos cá para o que for preciso” enquanto o senhor da Antram falava do prejuízo. A minha empresa está dentro desses 3 milhões de prejuízo, mas preocupou-se primeiro com as pessoas, em vez do lucro.”
No dia 23, a Antram em declarações à Agência Lusa, anunciou que estimava que as empresas podem sofrer perdas superiores a três milhões de euros devido aos motoristas portugueses retidos no Reino Unido, o que lançou a suspeita sobre as sua intenções em muitos motoristas.
“As transportadoras perderam três milhões em quê? As cargas chegaram todas.”, questiona Rogério num vídeo que publicou no seu perfil de Facebook e foi partilhado em grupos de motoristas, “As cargas já eram para ser entregues só depois do Natal… este é um esquema que os senhores da Antram arranjaram (…) quem lá esteve, a pão e água, veio para baixo, passou o Natal na estrada, e agora ainda vão tirar dos nossos impostos para financiar quem explorou os motoristas e que quem faz transparecer para a opinião pública que são uns coitadinhos… e virem-se lamentar para o governo lhes dar mais dinheiro.”
Pedro, o motorista que no Domingo ainda estava retido na área de serviço, defende: “O porta-voz da Antram deveria estar à espera de um pretexto para não actualizar os salários, e fugir aquilo que se conquistou na greve no ano passado. É tentar justificar com prejuízos o aumento que não querem dar. (…) O que me chocou mais foi a situação ainda estar resolvida, e ele já estar a falar nos prejuízos. Primeiro deviam se preocupar com as pessoas que estão lá fora, meter toda a gente em casa.” Em declarações para o Notícias Viriato disse: “Esse senhor da Antram está a agir de má-fé e está a utilizar este pretexto para fugir ao aumento dos ordenados.”