Já falamos de Viseu, Tomar, Viana do Castelo, Monsanto, Melgaço, Gaia, Lapa e Barcelos. O novo caminho tradicional destina-nos a Aldeia Viçosa, distrito da Guarda, casa geográfica de frio cómodo, cinzento sedutor ao galope das ruas e miniaturas históricas sobre um tabuleiro campestre. Na estação orvalhada das “quentes e boas”, das braseiras, dos corredores folheados e da jeropiga, falemos desta lenda outonal.

No ano de 1698, certa velhinha anónima mas muito abastada, prometeu entregar, no fatal gemido, todos os bens à Igreja da Vila do Porco, casa de Deus da humilde Aldeia Viçosa. Precavida a despeito da futura morada celestial, fez um único pedido: que todo o povo, numa oração una e solidária, rezasse o Padre-nosso todos os anos no anúncio nevado de mais um Natal. Desconfiada, jeito das lusas velhinhas, redigiu a sua exigência, não fosse esta cair em esquecimento:“Tem obrigação de dar na primeira oitava de Natal cinco meios de castanha e cinco alqueires de vinho pela alma de uma velha que deixou noventa e seis alqueires de centeio a esta Igreja impostos na Quinta do Lagar de Azeite para que com esta castanha e vinho se fizesse no mesmo dia um magusto e todos dele comessem e rezassem na Igreja um Padre Nosso pela sua alma.”

É como se o Magusto e o Natal convivessem num banquete espiritual. Desde então, a 26 de Dezembro de cada ano, é celebrado, na aldeia Viçosa, o Magusto da Velha, mesmo que desafie as leis das estações. O povo local lança-se à apanha das castanhas e a Junta de Freguesia responsabiliza-se pela organização. A partir daí, procede-se ao gesto tradicional: 150 quilos de castanhas chovem do campanário da Igreja, acompanhadas pela toada dos sinos.

Nessa queda de pardas gotas, a população enche as cestas com a euforia de quem ama a sua terra sem nunca esquecer, claro está, a velha que Deus tem, orando pela alma da senhora protagonista. Segue-se, à boa maneira portuguesa, o bom beber de vinho tinto, castanhas assadas no Madeiro do Natal e tributos cantados à memória da velha.

300 anos depois, a velha continua a sorrir no Céu.

Francisco Paixão

14 de Novembro de 2019