Na passada Sexta-Feira, dia 20 de Novembro, foi emitida na RTP a reportagem da jornalista Sandra Felgueiras do programa “Sexta às 9” relativo a Miguel Mealha Estrada, um alegado “Psicanalista Pediátrico” e “Psicoterapeuta” que dá consultas a crianças com problemas de saúde mental há oito anos, mas não tem nenhum título académico nem cédula profissional em Portugal.
Miguel Estrada é um tenaz defensor da prescrição de ritalina, fármaco estimulante do sistema nervoso central, a crianças com hiperactividade e transtorno de défice de atenção, forte crítico das terapias designadas alternativas que considera como “fantasias”, “pseudo-ciência”, “inúteis”, e “tudo falso”. Escreveu quatro livros, dois deles com maior projecção nacional: “Os inimigos das crianças”, um “manifesto” contra as terapias alternativas com a colaboração de vários médicos; e “A Vida é um Sopro”, uma obra escrita com o Dr. António Coimbra de Matos, que agora reconhece à investigação dos Sexta às 9 nunca ter obtido documento comprovativo da licenciatura de Mealha Estrada.

Desde o lançamento do seu primeiro livro que desfrutou de uma passadeira vermelha na comunicação social, sendo entrevistado pelo Observador, Visão e a revista do grupo do Diário de Notícias, DN Life, e apresentado por estes como “psicanalista pediátrico”, “psicoterapeuta” e “especialista em neurodesenvolvimento”. Escreveu um artigo no blogue SCIMED em colaboração com o seu fundador, o médico João Cerqueira, e o neuropediatra Nuno Lobo Antunes, sobre os benefícios da ritalina.
No Observador, escreveu sete artigos de opinião, dois deles com a colaboração do fundador do SCIMED, e apresentado como “Psicanalista Pediátrico especialista em Neurodesenvolvimento”. Estes dois últimos artigos tiveram em conjunto mais de 18 mil partilhas, focando-se na crítica ao partido PAN por defender a agricultura biológica e as terapias alternativas, e no ataque ao naturopata João Beles, criticando o debate “em pé de igualdade” entre as terapias alternativas e a medicina convencional.
Qual o problema? Segundo a reportagem do Sexta às 9, Miguel Mealha Estrada não tem título académico nem cédula profissional, não se encontra registado como colaborador de qualquer entidade responsável por prestador de cuidados de saúde, não é certificado como Psicanalista, mentiu sobre o tempo em que trabalhou no Reino Unido, e segundo a Presidente da Associação Portuguesa de Psicanálise, Cristina Nunes, e Rui Martins, do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos, a designação profissional “Psicanalista Pediátrico” nem sequer existe.

Questionámos o Publisher do Observador, José Manuel Fernandes, sobre as medidas que vão tomar para emendar a situação e para que não se repita esta “fraude”, e também se não descredibiliza o Observador publicar entrevistas e artigos de opinião, sobre tópicos tão pertinentes como a medicação a crianças com problemas de saúde mental, de um “falso psicoterapeuta”, e o responsável pela direcção editorial do jornal respondeu que nunca tinham suspeitado das qualificações de Miguel Estrada por se acompanhar por médicos reputados como João Cerqueira e António Coimbra de Matos, e que irão, à semelhança da RTP, “abrir a sua própria investigação” para “esclarecer melhor pontos que ficaram pouco claros, como o facto de a actividade de Miguel Mealha Estrada parecer situar-se num limbo regulatório, onde estariam os psicoterapias, e que escaparia à Ordem dos Médicos e à Ordem dos Psicólogos”.
José Manuel Fernandes esclareceu que “seremos céleres nessa investigação e do seu resultado depende o tipo de aviso que entenderemos necessário fazer aos nossos leitores”.

Também inquirimos o médico João Júlio Cerqueira, do blogue SCIMED, sobre as suas colaborações com Miguel Estrada no blogue que gere e no Observador, e se tinha conhecimento das alegações da reportagem do Sexta às 9, ao qual respondeu: “Afastei-me do Miguel Estrada há cerca de um ano e meio por desconfiança relativamente às suas credenciais. Desconfiança não são certezas e dado que ele estava bem entrosado no meio preferi resguardar-me a levantar falsas acusações que poderiam colocar em causa de forma injusta a sua vida profissional.”
João Cerqueira e o SCIMED, atacam de forma constante as medicinas designadas “alternativas”, e expõem os “vendedores da banha da cobra”, os “charlatões”, os “falsos terapeutas”, acusando-os de “fraude”, de praticarem “pseudo-ciência”, e “falsos tratamentos”, por isso questionámos o responsável se não descredibiliza o seu trabalho colaborar com um “falso psicoterapeuta”, ao qual João Cerqueira retorquiu: “Em nada. As minhas posições estão dependentes de argumentos, não de pessoas. O meu projeto não vive de autoridades, vive de factos. Tudo o que está escrito nos artigos em que o Miguel é co-autor, estão disponíveis a serem escrutinados relativamente aos factos citados. Além disso, o jornalismo de investigação é mais do que bem vindo. Se os factos apontados ao Miguel forem verdadeiros, que se faça justiça. Ninguém é perfeito, estamos todos em posição de ser enganados. A questão é o que fazemos quando isso acontece.”
Cerqueira também esclareceu que se forem provadas as alegações irá retirar Miguel Estrada como autor do artigo, dizendo que apenas tinha sido um “elo de ligação”.
Entretanto, o Sexta às 9 confirmou que o director da Clínica Nostra, Tiago Vinhas de Sousa, despediu o “falso psicoterapeuta”, e em comunicado enviado à RTP, o director garante que “a partir da presente data não existe qualquer vínculo entre a Clínica Nostra e o Miguel Mealha Estrada”. Este alegado psicoterapeuta garantia ter uma licenciatura tirada no Reino Unido mas nunca apresentou o título e o Sexta às 9 confirmou que nunca o teve.
A Entidade Reguladora da Saúde confirma que Miguel Estrada nunca constou do registo das entidades reguladas e informa que a Clínica Nostra incorre numa multa superior a 40 mil euros pela infração.
