Convidado pelo António e pelo Jorge para colaborar neste ambicioso projecto, foi com muito gosto que aceitei, porquanto é um meio de tentar colmatar uma grande falha em Portugal, isto é, a pluralidade de vozes e ideias na comunicação social. Assim, têm desde já o meu obrigado.
Aproveitando a deixa, é de comunicação social que venho falar hoje.
Veículos de preconceito e ódio, instrumentos da facção em voga, vigias ilustres tornados pastores que nos guiam como gado. O jornalismo é, hoje em dia, pouco mais que uma súcia à procura de servir interesses que não são nem os públicos, nem os próprios, tão facilmente manipulável que diria inocente, não fosse portar o Quarto Poder.
Porquê o Quarto Poder? Tomando como definição de Jornalismo “a recolha e distribuição de relatos e informação sobre eventos, factos, ideias e pessoas actuais que informam o público até certo grau”, esta é uma actividade essencial ao desenvolvimento da democracia e sua saúde, pois neste sistema de representatividade e delegação dos poderes soberanos (pois não podemos todos estar no Governo, por mais que o PS se esforce) é o Jornalismo que medeia a informação entre esses poderes e o Povo, que se pretende informado, sendo esta a razão para que existam alguns princípios básicos do Jornalismo: veracidade, rigor, objectividade, imparcialidade, independência e responsabilidade. Princípios que não inventei, mas antes, constam do Código Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, que não é vinculativo para ninguém, excepto os membros do Sindicato, apesar de ter influência sobre os demais códigos deontológicos que regem os jornalistas.
Imagino que o caríssimo leitor se tenha rido ao considerar a hipótese, tão improvável, de haver objectividade ou responsabilidade no panorama actual, mas era suposto que sim. Quiçá, talvez aqui não se tivesse chegado.
Assim, em vez de princípios e deveres, o desrespeito por estes é tanto que nem merece a reunião de exemplos, pois basta olhar em volta. O estado da imprensa, nacional e internacional, é tão grave que já aceitei o facto de nada ser imparcial, rigoroso, no fundo, impoluto, que começo a sugerir que, para obter verdadeira informação, as pessoas cruzem as fontes, porque para além dos nossos deveres e ocupações diárias, temos ainda que arranjar tempo para agir como um serviço de espionagem, a fim de vermos para lá do ambiente intoxicado, poluído, que se vive na informação. A ideia não é tão irónica assim: somos gravemente ingénuos se aceitamos a ideia de que os jornalistas pura e simplesmente abandonaram qualquer exigência de qualidade sem considerar outras opções, como a desinformação.
Esta é a outra face do problema que resulta da queda do Vigia, do Guardião da Democracia, que assegurava a transmissão dos factos entre Povo e Governo e amedrontava aqueles mais autoritários. Se deixarmos de saber os factos com certeza já é mau, pior será outros fazerem uso dessa ignorância. Deixa de ser preciso uma força externa lançar sobre a sociedade o ambiente intox, os jornalistas fazem-no sozinhos! Estamos neste momento numa situação tão frágil, que qualquer interessado na manipulação da opinião tem por circunstâncias as melhores que se lhe poderiam apresentar, bastando comprar (ou doar/”premiar” através de uma fundação) algum qualquer pasquim para comprometer a sua independência, permitindo-lhe lançar sobre nós a desinformação e depois lucrar com a confusão. Tão indefesos estamos que os nossos jornalistas repetem e repetem, numa verborreia fundamentalista, tudo o que os outros “órgãos de comunicação social” no mundo relatarem, desde a notícia cor-de-rosa estéril à mais grave mentira, tudo porque nem sequer tentam, se esforçam, para verificar a mínima fonte ou prova!
Dá-me então vontade de rir, quando se vê os próprios a tentarem discutir o que se passa nos media internacionais e como poderiam resolver o problema, chegando a conclusões como software para detecção de notícias falsas ou abertamente censurar páginas discordantes, quando para mim a solução é muito mais óbvia e de efeitos muito maiores: os órgãos de comunicação social mainstream recuperarem qualidade. Como? Fácil! Basta que as associações profissionais dos jornalistas façam o seu trabalho e comecem uma caça ao mau jornalismo, aplicando os seus códigos deontológicos, expulsando aqueles que cometam os graves erros já falados. Se tivermos todo o jornalismo profissional sujeito a fiscalização, não pelo Estado, mas pelas próprias organizações profissionais, portanto, de jornalistas para jornalistas, uma fiscalização efectiva, capaz, exigente, assim haveria jornalismo de qualidade e independente. É bom argumento dizer que muito do que os jornais fazem é para se conseguirem sustentar, visto que o seu consumo é cada vez menor, particularmente em papel. Todavia, julgo que isso seja ver o problema ao contrário, visto ser principalmente a falta de qualidade que afasta as pessoas. Se um ou outro jornal se destacar por isto, os outros que desapareçam, pois se é precisa pluralidade de fontes, essa também é hoje pouco assegurada, em cima do muito mal que já fazem. Assim, prefere-se, a meu ver, que os jornalistas concorram pela positiva, pela qualidade, não “a puxar para baixo”.
É bom imaginar um mundo em que, lendo o jornal ou vendo a televisão ou ouvindo a rádio, seríamos informados apenas dos factos, das verdades palpáveis e não da opinião deste ou daquele autor da peça; um mundo onde poderíamos confiar na informação que nos chegasse; um mundo onde não seria tão fácil manipular-nos, onde não estaríamos tão sujeitos aos interesses dos bastidores, mas apenas aos interesses da veracidade, do rigor, da objectividade e imparcialidade. Por isto é excelente a iniciativa do António e do Jorge, assim como o gosto que tenho em colaborar, por um Mundo, ou pelo menos Portugal, onde se possa discutir os assuntos sem as subjectividades a que estamos acostumados, sem a desonestidade e o desrespeito a que quem apresenta ideias diferentes da norma tem que estar habituado.
“A free press is not only a right and not only a privilege, but an organic necessity in a great society” – Walter Lippman
Sebastião Beja da Costa
11 de Junho de 2019
Eu gostava mesmo de um dia ler este jornal em formato impresso.