Graças à solicitude pastoral a que o Governo nos habituou, os fiéis não puderam participar nas celebrações eucarísticas das tardes de sábado e de domingo dos dois últimos fins-de-semana. Ou seja, podia-se sair de casa e circular na via pública por motivos profissionais, podia-se ir à mercearia, podia-se fazer uma caminhada, podia-se assistir a espectáculos, podia-se fazer exercício físico ao ar livre, ou passear na rua o animal de estimação, mas não se podia ir à igreja nas tardes de sábado e de domingo.
A Dona Alzira queria ir ao terço, às dezoito e trinta, na igreja paroquial? Não podia, porque o Governo não deixava. A menina Soraia podia passear a cadelinha Bijou? Podia, porque o Governo deixava. O Senhor João, que trabalha as manhãs de sábado e domingo, podia ir à missa nesses dias à tarde? Não, porque o Governo não deixava. O atlético Venâncio, desportista com ambições olímpicas, podia correr nas tardes do fim-de-semana? Sim, porque o Governo deixava. O universitário Miguel podia ir à missa na tarde de sábado, ou de domingo? Não, porque o Governo não deixava. Mas se a menina Floripes quisesse arejar, até podia ir ao teatro, porque não só o primeiro-ministro deixava, como a senhora ministra da cultura aconselhava e recomendava.
É verdade que não foram proibidas, formalmente, as celebrações eucarísticas do sábado e domingo à tarde, mas a interdição da circulação nesses dias, depois das 13h, de facto equivale à supressão das missas vespertinas do sábado e da tarde de domingo. Ante o preocupante aumento do número de casos de pessoas infectadas, internadas e falecidas por causa deste vírus letal, era necessário apoiar e reforçar as medidas sanitárias que previnem a sua propagação e que tendem à sua erradicação. Até aqui, tudo bem. Mas o mesmo já não se pode dizer quando o Governo favorece as forças políticas que lhe são próximas, em detrimento da liberdade religiosa dos fiéis.
A proibição de circulação nos concelhos mais afectados pela pandemia foi imposta apenas em dois fins-de-semana consecutivos, e depois prorrogada até, pelo menos, o dia 9 de Dezembro, mas com uma excepção: o congresso do Partido Comunista Português, que se realiza em Loures, nos dias 27, 28 e 29 de Novembro!
À luz desta atitude escandalosa do Governo, entende-se melhor a supressão, durante meses a fio, das missas dominicais presenciais, bem como da celebração litúrgica da Páscoa cristã. Também se percebe por que se proibiu a peregrinação internacional de fiéis a Fátima, no aniversário da primeira aparição mariana. Ou se eliminaram os festejos dos santos populares, entretanto apeados dos seus andores e nichos, para darem lugar aos novos padroeiros laicos da ditosa pátria.
Com efeito, ao contrário do que era suposto e eventualmente razoável, no contexto da actual pandemia, o Governo não proibiu todas as comemorações e ajuntamentos, mas apenas os de natureza religiosa, que substituiu pelas novas festas laicas que, essas sim, se puderam celebrar.
A Páscoa cristã não pôde ser comemorada nas igrejas, mas ‘são’ Otelo e companheiros mártires da revolução dos cravos foram solenemente festejados, no dia 25 de Abril, no templo da democracia, a Assembleia da República, que não em vão está sediada no antigo convento de São Bento.
O primeiro de Maio, que em tempos foi de São José operário, é agora, segundo o calendário litúrgico do laicismo nacional, ‘são’ Arménio Carlos. E, em substituição das marchas populares do dia do ex-Santo António, realizou-se uma solene procissão na Alameda D. Afonso Henriques, com a numerosa participação de fiéis, vindos de autocarro de outras paróquias.
Por último, nos princípios de Setembro, realizou-se na margem sul a tradicional romaria em honra de ‘são’ Jerónimo, uma verbena abrilhantada com a participação de vários coros paroquiais. A celebração culminou com a exposição aos fiéis da relíquia viva do dito ‘são’ Jerónimo que, qual sangue de São Januário, se liquefez em patéticos louvores da ditadura do proletariado, que são música celestial para os fervorosos ouvidos dos jovens octogenários que praticam esta antiquíssima devoção.
Enquanto se ‘repensa’ o Natal – decerto para substituir a solenidade cristã do nascimento de Jesus pela festa da família, como aconteceu em 1910, no ano da implantação da república, mas agora sem família – proibiram-se as missas vespertinas de sábado e de domingo à tarde, com a desculpa da epidemia que, no entanto, permite a realização, em Loures, nos dias 27, 28 e 29 de Novembro, do congresso do PCP.
Os fiéis católicos, obedientes e submissos à sacrossanta hierarquia laica que governa a Igreja em Portugal, mais uma vez acataram ordeiramente as novas medidas, com a mansidão com que também prescindiram, nos passados dias 1 e 2 de Novembro, das visitas aos cemitérios extramunicipais onde repousam os seus familiares. Desta vez, aliás, o Governo nem sequer se deu ao incómodo de comunicar antecipadamente estas medidas restrictivas da liberdade de culto ao episcopado, que disso publicamente se queixou, o que indicia o seu propósito de promover a ‘boa morte’ da liberdade religiosa em Portugal, em antecipada aplicação da lei da eutanásia.
Se esta é, como parece, a ‘nova ordem’ do emergente Estado Novo, talvez convenha que os católicos, antes de regressarem às catacumbas, ensaiem novas formas de prática clandestina da fé. A Dona Alzira, se quiser ir rezar a terço, às 18h 30m, na igreja, deveria trocar o escapulário de Nossa Senhora do Carmo pela bandeirola da CGTP. Para o Senhor João poder participar na missa da tarde de sábado, ou do domingo, deverá envergar a t-shirt do Che Guevara, que equivale a um livre-trânsito. E, para que o jovem Miguel possa assistir à Eucaristia das 19h, convirá que vá à igreja de fato de treino e em passo de corrida, para que os agentes da autoridade, supondo tratar-se de um inofensivo atleta, o não confundam com um perigoso católico.
Será também da mais elementar prudência que os coros paroquiais ensaiem a Internacional, para o caso de a celebração eucarística ser interrompida pela polícia, como já aconteceu no nosso país. Para essa eventualidade, esconda-se o altar atrás de um poster da geringonça, a laicíssima trindade – PS, PCP e Bloco de Esquerda – que nos governa, ou da sagrada família comunista: Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao (que, a bem dizer, mais do que mau, era péssimo). E bom será que os fiéis, pela sua rica saudinha, intercalem o salmo responsorial com estrofes do ‘Avante camaradas!’, glorioso hino da nova religião da confessional República portuguesa.

Que consolador é ter a esperança renovada com artigos tão corajosos como bem escritos. Parabéns, Sr. Pe. Gonçalo, saiba que rezo fervorosamente todos os dias no meu terço ou Rosário, para que o Espirito Santo suscite mais sacerdotes q se comportem como Autênticos Pastores que se levantam para defender as ovelhas q Deus lhes confiou, dos ataques cada x + descarados dos predadores, com a cumplicidade dos Mercenarios com pele de ovelha, que cobardemente, se calam e assumem compromissos com os tiranos, armados em Amigos do Povo. O que me surpreende é que sejam tão poucos os que vêm que o rei vai nu!
Muito obrigada, Padre Gonçalo, por mais um extraordinário texto, em “tempos de guerra”!
Como sempre, acutilante, incisivo e muito pertinaz!