Patrick Moore foi fundador da Greenpeace.
Análise céptica à Publicação do Jornal Observador do dia 26 de Novembro de 2019, texto assinado por Cátia Bruno e intitulado “Fact Check. Um dos fundadores da Greenpeace diz que as alterações climáticas são um embuste?”
Citações do Observador a negrito. O nosso comentário e análise abaixo de cada excerto.
“O co-Fundador e ex-presidente da Greenpeace, Patrick Moore, descreveu as maquinações cínicas e corruptas que alimentam a narrativa do aquecimento global e das ‘alterações climáticas’.” É assim que a página de Facebook do site Notícias Viriato começa por descrever a sua publicação sobre Patrick Moore, que identifica como co-fundador da Greenpeace e como ex-presidente da mesma organização.”
O fact-checking que o Observador quis fazer a esta publicação do Notícias Viriato tinha, à partida, tudo para ser fácil e rápido. Bastariam três perguntas:
-Patrick Moore foi Co-Fundador da Greenpeace?
-Patrick Moore é Ex-Presidente da Greenpeace ?
-Patrick Moore declarou aquilo que o Notícias Viriato citou como declarações de Patrick Moore?
Abaixo, analisaremos se o Observador foi rigoroso e objectivo no apuramento destes factos. Continuando, diz o Observador:
“E as afirmações que o Notícias Viriato apresenta como sendo ditas por Patrick Moore têm tudo para surpreender vindas de um antigo dirigente da organização ambientalista, por contrariarem aquilo que a Greenpeace e a maioria da comunidade científica defende atualmente: que as alterações climáticas são uma realidade e que a ação humana está a contribuir para as acelerar. A publicação, partilhada a 17 de novembro, já conta com mais de 350 partilhas.”
Esta consideração do Observador é irrelevante em termos de fact-checking aos factos da publicação do Notícias Viriato. Parece ser mais uma confissão da linha editorial do Observador:
-Fazer fact-checking a artigos do Notícias Viriato cujo conteúdo jornalístico supreenda a redacção do Observador. ( E as afirmações (…) têm tudo para supreender)
-Fazer fact-checking a publicações do Notícias Viriato que sejam muito partilhadas. (…partilhada a 17 de Novembro, já conta com mais de 350 partilhas)
Sendo prática ancestral do jornalismo noticiar o homem que morde o cão, em vez do cão que morde o homem, o Notícias Viriato age normalmente ao publicar notícias que surpreendem os seus leitores. Objectivamente, o Notícias Viriato citou uma declaração. Fosse essa declaração contra ou a favor daquilo que a “maioria da comunidade científica defende” – como alega o Observador, sem fundamentar a existência dessa maioria ou a sua relevância científica ( ciência e ad populum não são a mesma coisa) – o Observador propôs-se, parece-nos, verificar a veracidade da citação e identidade do citado. Se Patrick Moore está certo ou errado na sua declaração, o leitor decida. O Notícias Viriato simplesmente divulgou uma notícia supreendente…
Depois deste aparte desnecessário, o Observador iniciou o verdadeiro fact-checking.
“Quem é Patrick Moore?
Não é a primeira vez que Patrick Moore é apresentado como fundador da Greenpeace e que as suas opiniões controversas sobre as alterações climáticas são partilhadas pelo próprio — aliás, é ele mesmo que se identifica como “co-fundador” da organização na sua página de Twitter. Em março, numa entrevista à cadeia de televisão Fox News, afirmou que a “crise climática” é “não só fake news, mas também fake science [ciência falsa]” e que o dióxido de carbono é “o principal tijolo de toda a vida” — não comentando, contudo, as afirmações científicas de que as altas concentrações de dióxido de carbono, como ilustra a NASA, levam à criação de um efeito de estufa e ao aquecimento global. “
Em resumo, o Observador confirma alguns factos:
-Patrick Moore existe e não é uma invenção do Notícias Viriato.
-Patrick Moore nega mesmo as alterações climáticas e o Notícias Viriato também não inventou tal declaração.
De resto, mais do que interessado em verificar os factos do Notícias Viriato, parece-nos que a partir deste ponto o Observador preocupou-se sobretudo em desvalorizar as declarações do citado e a sua reputação. São disso exemplo frases e expressões como: “é ele mesmo que se identifica como “co-fundador” da organização” ou “afirmou que a crise climática é [fake news] não comentando, contudo, as afirmações científicas de que as altas concentrações de dióxido de carbono, como ilustra a NASA, levam à criação de um efeito de estufa e ao aquecimento global.”
Contudo, o Notícias Viriato não nega que Patrick Moore diverge das instituições científicas e governamentais que asseguram haver aquecimento global e/ou alterações climáticas provocadas pela poluição humana. Aliás, foi precisamente isso o noticiado pelo Notícias Viriato: as declarações de Patrick Moore sobre esta questão. Feito o nosso trabalho, o Observador é livre para contactar o visado e pedir-lhe comentários sobre as afirmações e ilustrações científicas da NASA que alegadamente se opõem às declarações que citámos. Ou, se preferir, o Observador também pode tomar parte nesta questão científica e fazer um fact-checking às próprias alterações climáticas. Desejamos boa sorte nessa tarefa, caso a assumam, e esperamos que os factos sejam apurados cientificamente. Contudo, dizer que as afirmações surpreendem e negam o que é dito pela maioria de cientistas não é uma verificação científica do problema. De resto, há ainda outro tipo de considerações, como a falácia de culpar por associação, que também não refuta cientificamente declaração nenhuma, e da qual é exemplo este tipo de comentário do fact-checking à moda do Observador:
“As afirmações de Patrick Moore na Fox foram inclusivamente destacadas no Twitter pelo Presidente norte-americano, Donald Trump.”
Optando também nós pela ingenuidade, é factualmente correcto que as declarações de Patrick Moore foram divulgadas por Donald Trump no twitter. Sim, Donald Trump destaca e concorda com as afirmações de Moore. E ? Até agora, o Observador não apurou nenhum erro ou “fake news” do Notícias Viriato. Continuemos:
“Moore é canadiano, nascido em 1947 em Port Alice. Estudou biologia florestal e ecologia, tendo inclusivamente feito um doutoramento em 1974, na Universidade de British Columbia, sobre a poluição da indústria mineira. Ao mesmo tempo, durante a juventude, juntou-se a outros ecologistas com preocupações semelhantes, que se envolveram naquilo que se viria a tornar o ramo canadiano da Greenpeace.”
Estes factos do Observador estão correctos, com excepção de um pequeno detalhe: a Greenpeace nasceu no Canadá. Dizer que Moore envolveu-se naquilo que se viria a tornar o ramo canadiano da Greenpeace seria o mesmo que considerar Dom Afonso Henriques como tendo estado envolvido naquilo que se viria a tornar a Região Norte de Portugal. Sendo certo que hoje a Greenpeace está espalhada e actua em vários países, havendo também a delegação canadiana, o que se originou no Canadá não foi um ramo mas a própria Greenpeace.
Nem os leitores do Observador acreditaram no Fact-Check. Como podem ver nos comentários da publicação do Facebook, a grande maioria refuta e discorda da conclusão a que o jornal chega.
“A organização, contudo, fez questão de reagir após a entrevista à Fox News, distaciando-se de Moore e recusando classificá-lo como fundador da Greenpeace. “Embora o senhor Moore tenha tido um papel importante na Greenpeace Canadá durante vários anos, não a fundou. Phil Cote, Irving Stowe e Jim Bohlen fundaram a Greenpeace em 1970”, diz a própria organização num esclarecimento emitido em março de 2019. Para sustentar a sua posição, a organização disponibiliza uma carta escrita por Moore em março de 1971, enviada à Greenpeace, pedindo para ter autorização a entrar no barco da organização para protestar contra os testes nucleares levados a cabo pelo governo norte-americano à altura.”
O Observador não foi isento nesta verificação de fontes. Moore alega ter participado na fundação da Greenpeace mas os actuais dirigentes negam tal facto. Havendo duas opiniões opostas e inconciliáveis, para apurar a verdade e a mentira seria necessária uma terceira fonte. O Observador não a procurou mas isso não nos impediu de o fazermos. Vamos a alguns factos sobre a Origem da Greenpeace:
-1969, Robert Hunter, jornalista canadiano, denunciou num artigo a existência de testes nucleares, pelos americanos, na Ilha Amchikta, no Alasca.
-Nesse ano, em protesto e durante uma hora 7,000 manifestantes conseguiram bloquear a principal fronteira entre a Columbia Britânica ( Canadá) e o Estado de Washington (EUA). Ainda assim, o teste nuclear foi realizado. Robert Hunter participou nesta manifestação.
-Em 1970, Marie Bohlen, activista, sugeriu a ideia de chamar a atenção para o problema viajando de barco e amarando em alto mar, junto da bomba a ser testada.
– Em 1971, uma organização de Vancouver chamada “Don´t Make a Wave” alugou um velho navio pesqueiro ao qual deram o nome “Greenpeace”. De seguida, procuraram voluntários dispostos a navegarem até ao Alasca em protesto contra outro teste nuclear agendado.
-Patrick Moore foi um dos 12 tripulantes nesta viagem. Havendo uma carta de Moore pedindo para participar nesta manifestação, isso em nada refuta que ele tenha fundado, com outros, a Greenpeace. Os motivos são muito simples:
– A Don´t Make a Wave pediu voluntários para a viagem.
– Patrick Moore voluntariou-se para a viagem. ( como, parece, prova a existência da carta…)
– Patrick Moore foi uma das 12 pessoas participantes no protesto.
-Esse protesto é considerado, por várias fontes, o início da Greenpeace e o seu primeiro acto político enquanto organização. Abordagens em alto-mar para chamar a atenção ou boicotar explorações, indústrias ou transportes danosos para o Ambiente, nos anos seguintes, passaram a caracterizar e a ser a imagem de marca dos activistas da Greenpeace.
No entanto, o Observador, que nada parece ter lido ou investigado sobre este assunto, insistiu em adoptar a tese dos actuais dirigentes da organização incomodados por haver um ex-presidente que nega as alterações climáticas:
“Por outro lado, como aponta o site Snopes, o processo de formação da Greenpeace foi orgânico e complexo, havendo muita gente que se identifica como co-fundador e que não é reconhecido como tal pela organização. “Há uma antiga piada que diz que em qualquer bar em Vancouver (Canadá) pode-se sentar ao lado de um fundador da Greenpeace”, dizia um antigo artigo que constou do site da Greenpeace onde Moore é identificado como fundador do Don’t Make a Wave Committe, precursor da Greenpeace.”
Sim, o processo da formação da Greenpeace foi orgânico e complexo. E desse processo Patrick Moore fez parte. Não é uma piada de bar, a Greenpeace deriva da Don´t Make a Wave e o nome da organização Greenpeace deriva do nome dado ao barco usado no seu primeiro acto político. Do reduzido número de pessoas, 12, participantes nesse acto, consta o nome de Patrick Moore. Podemos verificar este facto nesta fonte credível:
https://www.cbc.ca/history/EPISCONTENTSE1EP16CH2PA2LE.html
“No seguimento da viagem ao Alasca, alguns membros da tripulação decidiram desenvolver o seu movimento de protesto. Este foi baseado no uso de acção directa não violenta de modo a aumentar a consciência pública e a influenciar políticas governamentais. A Fundação Greenpeace nasceu e Hunter e Moore foram os seus primeiros co-presidentes.”

De resto, em Língua Portuguesa também podemos encontrar outras fontes que identificam Patrick Moore como um dos fundadores da Greenpeace. É o caso da revista SuperInteressante.
E a própria Rádio e Televisão de Portugal – RTP – valida a informação partilhada pelo Notícias Viriato:
Quando é que o Observador vai fazer um Fact-Check à RTP?
Fact Checking do Facto Checking: havendo um conflito político e mediático entre os ditos Aquecimistas e Negacionistas, cabe aos jornalistas identificarem correctamente as identidades, percursos e declarações feitas pelos dois lados da barricada. Em vez disso, o Observador decidiu fazer o jogo de uma das partes que tenta dar má reputação ao adversário:
“As ligações de Moore a indústrias poluentes. Após a sua saída [ da Greenpeace], Moore fundou uma empresa de consultoria chamada Greenspirit Enterprises, como confirma a revista Esquire. Através dessa empresa, Moore passou a aconselhar várias empresas, por vezes de indústrias identificadas como poluentes, tais como a indústria química, madeireira ou até mineira (sobre a qual fez o seu doutoramento). A Greenpeace acusa mesmo Moore de ter “trabalhado para os poluentes durante muito mais tempo do que alguma vez trabalhou para a Greenpeace”.”
Como é óbvio, não cabe ao Notícias Viriato fazer a defesa de Patrick Moore. Apenas citámos e identificámos correctamente esta pessoa e as suas declarações. No entanto, enquanto projecto jornalístico temos um reparo a fazer : se a Greenpeace acusou alguém de alguma coisa, talvez o Observador pudesse ter dado aos seus leitores a possibilidade de lerem o contraditório do acusado. Em vez disso, transmitiram a acusação de uma das partes como se refutasse ou servisse de alguma coisa para um fact-checking àquilo que publicámos: simplesmente, as declarações de Patrick Moore.
“Essa narrativa é sustentada num artigo da revista Wired de 2004, recuperado pelo Snopes, onde se pode ler que Moore se tornou “o porta-voz de alguns dos interesses que a Greenpeace foi fundada para combater” e dá alguns exemplos das afirmações do próprio: “Que a floresta amazónica está bem, que a barragem Three Gorges é a coisa mais inteligente que a China podia ter feito para obter energia e que a oposição a alimentos geneticamente alterados é equivalente a homicídio em massa”, diz a revista.”
O Observador insistiu nos ataques ad hominem a Patrick Moore. Pode dar-se o caso deste sujeito ser um traidor que se vendeu e agora combate os elevados principios éticos da actual Greenpeace. Mas também pode dar-se o caso da floresta amazónica estar bem, a barragem Three Gorges ser uma decisão inteligente e os alimentos geneticamente alterados serem bons e úteis à humanidade. Quem tem razão? O Observador não verificou nenhum facto para provar quem está certo: Moore ou a Wired / Snopes / Actuais Dirigentes da Greenpeace? Em resumo, o leitor ficou na mesma. Sabemos apenas, agora, que o Observador acredita, porque sim e sem apresentar factos, em quem tem má opinião de Patrick Moore. Mas isto não demonstra que o Notícias Viriato tenha errado quando o citou e identificou como fundador da Greenpeace.
Insistiu ainda o Observador:
“Para além disto, desde 2006 que Patrick Moore trabalha para o Instituto de Energia Nuclear, uma das maiores organizações do lobby nuclear nos Estados Unidos.”
O que em nada prova que ele não tenha fundado a Greenpeace (ou que esteja errado em defender o lobby nuclear e negar as alterações climáticas…)
Vamos à conclusão do Observador:
“As declarações de Patrick Moore são absolutamente verdadeiras e consistentes com aquele que tem sido o seu pensamento e posicionamento público face às alterações climáticas ao longo dos últimos 30 anos. Contudo, há divergências sobre o facto de ser ou não fundador da Greenpeace, já que a organização não o reconhece como tal. Para além disso, saiu em rutura e está afastado da organização ambientalista há décadas, factos que o artigo do Notícias Viriato não explica. Ou seja, falta dar contexto aos leitores sobre quem é Patrick Moore e qual o seu percurso de vida face ao tema das alterações climáticas, já que identificá-lo apenas como “co-fundador” da Greenpeace e seu antigo presidente é incompleto.”
A nossa conclusão sobre a conclusão:
As declarações são absolutamente verdadeiras e, modéstia à parte, outra coisa não seria de esperar de uma citação do Notícias Viriato. A Organização Greenpeace, actualmente, não reconhece Patrick Moore como seu fundador. No entanto, os factos que apresentámos acima provam que Patrick Moore foi um dos fundadores da Greenpeace. Há divergências mas os factos históricos e fontes independentes provam quem tem razão. Depois, o artigo do Notícias Viriato identificou Patrick Moore como ex-presidente da organização, logo, ao noticiarmos as suas declarações negando as alterações climáticas, confiámos na inteligência dos nossos leitores para saberem que isso, necessariamente, contraria a posição actual da Greenpeace. Pelos vistos, ao não contextualizarmos algo que toda a gente sabe, subestimámos a inteligência do leitor “Observador”…
Ainda assim, apesar de termos citado correctamente a declaração de Patrick Moore, o Observador, teimando no facto da actual Greenpeace negar a História e não reconhecer hoje Moore como seu fundador, conclui que o nosso artigo é: “Enganador”.
Voltando e respondendo às três perguntas iniciais que deveriam ter regido a verificação de factos que o Observador fez ao nosso artigo:
-Patrick Moore foi Co-Fundador da Greenpeace? Sim.
-Patrick Moore é Ex-Presidente da Greenpeace ? Sim.
-Patrick Moore declarou aquilo que o Notícias Viriato citou como declarações de Patrick Moore? Sim.
Qual a legitimidade do Observador para considerar o nosso artigo “Enganador” ?
O leitor decida.
Bruno Filipe
2 de Janeiro de 2019