O nosso “Rei do Café” completou 90 anos no passado dia 28 de Março. Que bonita e provecta idade!

Estive em Outubro de 2018 em Elvas e Campo Maior – sua terra de sempre, e só aí obtive uma percepção mais real e palpável, em relação à magnitude e importância da obra do Comendador Manuel Rui Azinhais Nabeiro ou simplesmente “Senhor Rui”, a forma carinhosa e descomplicada como é tratado pelos seus colaboradores e conterrâneos campomaiorenses. A minha curiosidade e admiração por esta figura notável, que já eram enormes, derivadas da minha ligação profissional à indústria do café, multiplicaram-se infinitamente deste então.  

Os inícios

Homem com a quarta classe concluída, começou a trabalhar desde precoce idade: doze anos. Ajudava a mãe numa modesta mercearia; o pai e os tios numa torrefacção de café, montada na década de 30, durante o período da nefasta Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Todavia, a guerra trouxe consigo boas oportunidades de negócio ou, melhor dizendo, de contrabando, ao longo da paupérrima e árida região da Raia Alentejana. Assim, à escassez de café do “lado de lá” da fronteira, o tio de Rui Nabeiro respondeu com a instalação de um torrefacção de café do “lado de cá”, em 1937, para suprir essa carência e claro… ganhar dinheiro. 

E assim se iniciou o que viria a ser o principal esteio económico da região: o café torrado.  

Voltemos então a Rui Nabeiro e à génese do seu império empresarial. 

Surgimento da Delta 

Aos 17 anos, após a morte do pai, Rui Nabeiro assumiu os destinos da pequena torrefação familiar, fundada pelo seu malogrado progenitor e respectivos irmãos. Para fazer crescer a empresa, incrementou (ainda mais) a venda de café em Espanha, constituindo depois aos 19 anos, uma sociedade com os seus tios: a Torrefação Camelo. Não obstante, insatisfeito com o rumo desta firma, deixou a sua gerência, fundando com a mulher Alice e os filhos, o seu próprio negócio em 1961, a Delta Cafés que, além dum pequeno armazém de mercearias, se iniciou na torra do café. Passados poucos meses estava a distribuir em todo o país, passadas poucas décadas estaríamos perante um colosso europeu. 

Contudo, convém reforçar que desde o início da sua escalada financeira e social, o “Senhor Rui” sempre quis ser diferente, um “rico” com o perfil dissemelhante do habitual. Transcrevendo um trecho presente no recente romance biográfico do escritor José Luís Peixoto: “Hei de ser um rico diferente dos que há por aí.” Palavra de alentejano.  

Contrabando de café na raia alentejana entre os anos 30 e 40


Actividade política

Antes do 25 de Abril de 1974, e por duas vezes, Rui Nabeiro foi nomeado presidente da Câmara Municipal de Campo Maior: em 1962 e em 1972. Da segunda vez, saiu mesmo incompatibilizado com o Governador Civil de Portalegre, que não gostou que Nabeiro tivesse ido a Lisboa convidar Marcello Caetano – então Presidente do Conselho de Ministros, para visitar a sua vila natal, durante as festas do povo. Este voltaria, no entanto, a exercer o cargo em democracia, eleito pelo Partido Socialista — em 1977, sendo reeleito duas vezes, e mantendo-se no cargo até 1986. Dizia Rui Nabeiro: “Nasci numa terra pobre, por isso sou socialista”. 

De Campo Maior para o Mundo

Empresário líder no mercado dos cafés, Rui Nabeiro constituiu em 1982 a Novadelta e, em 1984, criou uma nova fábrica de torrefacção, na altura a maior de toda a Península Ibérica. Em 1988 criou a holding Nabeirogest, através da qual congrega actualmente, investimentos no ramo vitivinícola (vinhos Adega Mayor, geridos actualmente pela sua neta Rita), na distribuição alimentar e de bebidas, nas metalomecânicas (com a marca de máquinas de café profissionais Mayor), no retalho automóvel, no comércio imobiliário, na hotelaria, entre outros.

O centro de vinificação da Adega Mayor, da autoria do prestigiado Siza Vieira, construído em 2007, está perfeitamente integrado na paisagem tipicamente alentejana circundante, e constitui já uma referência da arquitectura mundial. Até neste ponto, o Comendador quis primar pela excelência. 

O dono da Delta Cafés, cuja empresa foi múltiplas vezes alvo da cobiça de gigantes multinacionais como a Nestlé, a Pepsi ou a Kraft, nunca cedeu ao tentador “aroma das notas”, porque considera que a empresa “pertence a todos os que trabalham lá” – palavras do próprio. Na última entrevista televisiva concedida, no dia do seu nonagésimo aniversário, afirmou mesmo: “A certa altura da minha vida, ouvi milhões e milhões para me comprarem a empresa. E eu disse sempre não. Os homens não se vendem, criam-se”. E desta forma, Rui Nabeiro, homem de trato fácil e afável, mantém-se como baluarte de o que é nos dias de hoje um bem raro: o “capital com rosto” e com vínculos locais e nacionais, que se contrapõe ao “capital sem rosto”, globalista e desumanizado dos poderosos conglomerados empresariais e fundos de investimento transnacionais.

Ainda presentemente, este Homem de respeitável idade, faz-se transportar quase diariamente até à sua estimada fábrica. Com o decoro de sempre, trajado “à antiga” – de fato e gravata clássicos, lê os relatórios mais importantes, ouve as máquinas a laborar, sente o cheiro do café torrado a girar nas pás de arrefecimento. Homem rigoroso e exigente, faz questão de cumprimentar todos os colaboradores com quem se atravessa, com uma palavra amável e um aperto de mão, fundindo profissionalismo e humanismo. Mais uma vez, é o tal “capitalismo de face humana”. 

As comendas

A 9 de Junho de 1995, Mário Soares – à época Presidente da República Portuguesa, atribuiu a Rui Nabeiro o grau de comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial Classe Industrial. No dia 5 de Janeiro de 2006, Jorge Sampaio condecorou-o como comendador da Ordem do Infante D. Henrique. 

Mas o Comendador, preferiu continuar a ser sempre e “apenas” o “Senhor Rui”. 

O mundo do futebol 

Durante vários anos, Rui Nabeiro investiu no futebol profissional – no clube local e do seu coração, o Sporting Clube Campomaiorense. O clube conta no seu currículo com cinco participações na Primeira Liga e uma histórica presença na Final da Taça de Portugal 1998/1999, no Jamor, tendo perdido por 1-0 frente aos aveirenses do Beira-Mar. O desfecho não deixou de fazer deste dia, um dos dias mais emocionantes da história de Campo Maior. 

No entanto, em 2002, o Campomaiorense abandona o futebol sénior e profissional, e passa-se a dedicar “somente” ao futebol de formação. Apesar da projecção que o clube dava à pequena vila raiana, a inflação dos valores registados neste “desporto-indústria”, fizeram Rui e o filho João Manuel Nabeiro (o “eterno” presidente desta colectividade), optar por alocar energias e fundos monetários a projectos de beneficência e ao desenvolvimento do desporto jovem na região. Campo Maior perdia proeminência nos meios de comunicação, mas ganhava em termos reais a sua comunidade. E essa foi a todo o momento a principal preocupação dos Nabeiro. 

Projectos educativos

Em 2007 inaugurou o Centro Educativo Alice Nabeiro (nome da sua esposa de sempre, grande amor e fonte de estabilidade de uma vida inteira), para dar resposta às necessidades extra-curriculares das crianças de Campo Maior. Aqui, as crianças são ensinadas a partir de tenra idade a ter iniciativa em todas as esferas da sua vida, inspiradas pelo “manual do empreendedor” elaborado pela própria Delta.

Ademais e com o patrocínio da Delta, a Universidade de Évora criou, em 2009, a Cátedra Rui Nabeiro, destinada à promoção da investigação, do ensino e da divulgação científica na área da biodiversidade.

Rui Nabeiro com a sua neta Rita, nos anos 80, actual CEO da marca de vinhos do grupo, Adega Mayor


A Delta Cafés e Campo Maior em 2021

Hoje, mais de meio século após a fundação da Delta Cafés, o grupo empresarial liderado por Manuel Rui Azinhais Nabeiro emprega cerca de 4.000 colaboradores (estima-se que terá entre 10 a 30% a mais do que seria necessário, de acordo com as “melhores” práticas de gestão) e facturou mais de 400 milhões de euros em 2019. Os seus negócios estendem-se por vários pontos do globo terrestre, podendo o seu café ser consumido em locais tão exclusivos como a Marina de Saint-Tropez (Côte d’Azur, França) ou o restaurante do arranha-céus Burj Khalifa (Dubai, EAU). Possui também uma importante presença no chamado “mercado da saudade” – espaços-mercado onde a diáspora portuguesa tem uma sólida implantação. Com a pandemia, e o aumento do consumo de café em casa (o chamado mercado home), a venda de cápsulas Delta Q (sistema próprio desenvolvido há mais de uma década pelo grupo Delta) disparou em volume, tendo por esta altura uma quota de mercado em Portugal a rondar os 35%. 

A sua fortuna foi estimada em 390 milhões de euros em 2015, colocando-o entre as 12 pessoas mais ricas do país, segundo o ranking elaborado pela revista Exame. “É uma herança ao serviço de toda a comunidade”, declarou Rui Nabeiro.

A vila de Campo Maior, com cerca de 7.500 habitantes, é hoje uma espécie de oásis no Alto Alentejo, região assolada pelo desemprego e pelo envelhecimento da população (tal como em quase todo o interior do país), com bons níveis de emprego e uma taxa de natalidade bastante acima da depressiva média portuguesa. O “dedo” de Nabeiro não está com toda a certeza alheado destes resultados, devendo representar este modelo de desenvolvimento local “Delta-Campo Maior”, um importante caso de estudo para políticos e académicos a nível nacional. 

Para sempre na história empresarial de Portugal

Principal dinamizador económico da tórrida e inóspita região da raia do Alto Alentejo (café, vinho, retalho alimentar, comércio automóvel, indústria metalomecânica, entre outros sectores) e verdadeiro filantropo, o “Senhor Rui”, como é conhecido na sua comunidade e pelos seus colaboradores, é com toda a certeza um dos grandes empresários portugueses do último século. Campo Maior não se encontra no interior remoto de Portugal, mas sim “no centro da Península Ibérica”, como terá dito certa vez o “Senhor Rui”, demovendo os que o tentavam convencer a deslocalizar a fábrica para geografias mais litorais – narrou-me um guia turístico, aquando da minha visita ao Centro de Ciência do Café da Delta, em 2018. Da mesma forma, paralelamente, tenho a profunda convicção de que Portugal não é um pequeno país da periferia ocidental da Europa, mas sim o “centro do Mundo”, plataforma de encontro da Europa, das Américas e de todo o mundo lusófono. 

Não obstante, e não desviando mais, regresso ao assunto central, clique final para a escrita deste artigo, já há muito engendrado para exaltar a espessura da vida e obra de Manuel Rui Azinhais Nabeiro: Parabéns pelos seus 90 anos “Senhor Comendador”! (para mim, que não sou colaborador de Rui Nabeiro, nem campomaiorense, é deste modo que o trataria se nos cruzássemos um dia…).

Frederico Nunes da Silva, Empresário.